Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga
Descrição de chapéu transporte público

Os fantasmas de Morro Grande

Bairro que abrigará pátio da Linha 6 do Metrô enfrenta grande tensão imobiliária

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São Paulo

Morro Grande, na Zona Norte, é um lugar instigante. Fica entre a Freguesia do Ó e a Vila Brasilândia e parece um imenso bairro dormitório. Vem ganhando grande protagonismo com a instalação do pátio de manobras da Linha 6 Laranja do Metrô. A via permanente e os aparelhos de mudança de via (AMVs) começam a ser instalados na antiga pedreira da localidade, que será o ponto de partida do percurso que vai ligar a Vila Brasilândia à Liberdade, passando por lugares como o Sesc Pompeia, a PUC e o estádio do Pacaembu, num total de 15 estações. Não haverá, porém, uma estação Morro Grande.

De qualquer forma, são sinais de novos tempos para o bairro, que já teve um período de esplendor justamente quando funcionou ali a Pedreira Morro Grande, depois chamada de Anhanguera. Ela entrou em operação em 1943 e faliu nos anos 80, mas continuou em operação parcial até 2008.

Enquanto durou, em meio à Serra da Cantareira, foi o centro da vida comercial na localidade e atraiu uma grande população operária para o bairro. O acesso a ela se dava por meio da Estrada do Congo, que, hoje, em homenagem ao primeiro dono do negócio, é chamada de Avenida Elísio Teixeira Leite.

Obras do metrô em Morro Grande
Acesso às obras do pátio de manobras do metrô em Morro Grande - Vicente Vilardaga

Junto com a pedreira havia outro importante empreendimento em Morro Grande, a Tecelagem Santo Eduardo Tecidos de Algodão Ltda, que pertencia a Thomaz Melo Cruz, herdeiro de uma renomada família sergipana. Ele veio para São Paulo e se casou com Elyseth, filha de Teixeira Leite, o que aumentou seu poder e influência.

Homem conservador e religioso, Melo Cruz assumiu o comando da pedreira em 1949, com a morte de Teixeira Leite. Também começou a fazer benfeitorias no bairro como a construção de um cinema e da igreja de Santa Clara de Assis, ambos na Rua Raimundo da Cunha Matos, ao lado de sua tecelagem. Nas imediações, Melo Cruz plantava café para usar como corante de tecidos.

Fachada da Capela Santa Clara de Assis
Fachada da Capela Santa Clara de Assis, hoje totalmente abandonada - Vicente Vilardaga

Atualmente, todos esses negócios e construções foram abandonados, viraram prédios-fantasmas, como o cinema e a igreja, ou ganharam novas utilizações. A pedreira cedeu lugar ao metrô e o prédio da tecelagem abriga uma oficina de metalurgia

O cinema, com três andares, salas para eventos, banheiros e uma sala de exibição para 800 pessoas está totalmente em ruínas e sujo, com janelas quebradas e paredes descascadas e pichadas. Em frente, a igreja de Santa Clara encontra-se em situação deplorável. Com estilo moderno e um altar antes decorado por um grande vitral, perdeu as portas e as janelas e passou a ser ocupada por moradores de rua.

Há vários projetos de melhoria sendo considerados para Morro Grande e a chegada do metrô pode ajudar a transformá-los em realidade. Prepara-se, por exemplo, a conversão da área em torno do pátio de manobras, dentro da Serra da Cantareira e com 540 mil metros quadrados, em um parque municipal. O chamado Parque Morro Grande, na verdade, já está em fase de implantação com a elaboração da chamada planta expropriatória, encomendada para a Cappe Engenharia, que envolve o levantamento e avaliação das propriedades que compõem sua área.

Cine Morro Grande
Interior do Cine Morro Grande, que virou um prédio-fantasma - Vicente Vilardaga

Em relação ao cinema, ativistas e artistas locais reivindicam que passe a abrigar um centro cultural. Lideranças comunitárias de Morro Grande chegaram a conversar com a Spcine, empresa da Prefeitura de São Paulo, sobre o projeto, mas não houve qualquer resultado. Igreja e cinema, assim como os terrenos que os cercam, ainda pertencem à família de Melo Cruz, que faleceu em 2018.

Existe hoje uma grande tensão imobiliária na região, além de uma crescente mobilização popular. A Prefeitura não rejeita a ideia de um centro cultural, mas, por enquanto, não demonstra interesse em adquirir a área, que está incluída no que será o futuro parque. Além de propriedades, Melo Cruz deixou uma dívida imensa de IPTU e isso deve favorecer as desapropriações. Mas tudo ainda é incerto. Morro Grande tem grandes desafios pela frente.

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