Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

A longa existência da Casa Godinho

Com padaria e empadinha, mercearia centenária em SP se reinventou no século 21

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São Paulo

O primeiro arranha-céu de São Paulo, o Sampaio Moreira, erguido em 1924, está fazendo 100 anos. E junto com ele também está aniversariando a Casa Godinho, um dos estabelecimentos comerciais mais antigos da cidade. Fundada em 1888 na praça da Sé, a loja abriu uma filial no térreo do prédio, na rua Libero Badaró, assim que ele foi inaugurado. E continua firme.

O prédio de 12 andares com 50 metros de altura foi projetado pelos arquitetos Samuel e Christiano Stockler das Neves e estava integrado ao projeto de modernização do Vale do Anhangabaú e à revitalização da rua Libero Badaró no começo do século passado.

Construído com concreto armado, sempre funcionou como um prédio comercial. Em 2010 foi desapropriado pela Prefeitura, entrando dois anos depois em uma longa restauração. Foi reinaugurado só em 2018. Atualmente é sede da Secretaria Municipal de Cultura.

Edifício Sampaio Moreira
Com doze andares, Sampaio Moreira foi o primeiro arranha-céu da cidade - Vicente Vilardaga

A Casa Godinho ou Mercearia Godinho surgiu com uma oferta de comidas e bebidas finas para atender a demanda de clientes europeus e da elite local. Seu primeiro proprietário, José Maria Godinho, percebeu o enriquecimento dos imigrantes e a vontade das pessoas de consumir os produtos da sua terra natal, como queijos, azeites, vinhos e, é claro, bacalhau, que segue sendo um dos carros-chefes da loja.

A família Godinho vendeu o negócio em 1957 para um grupo de investidores. Era uma sociedade muito grande e a partir daí aconteceram várias sucessões. O proprietário atual, Miguel Romano, entrou como sócio do estabelecimento em janeiro de 1995. Em 2001 se tornou o único proprietário.

Em todo esse tempo a Casa Godinho se manteve inflexível. É um dos cinco estabelecimentos comerciais mais antigos de São Paulo. Só é superada pela Padaria Santa Tereza, de 1872, e é anterior à loja de artigos para casa Doural, de 1895, na rua 25 de Março, à Padaria 14 de Julho, de 1897, na Bela Vista, e à Casa da Boia, na Rua Florêncio de Abreu, de 1898.

Miguel Romano
MIguel Romano, proprietário da Casa Godinho desde 2001 - Vicente Vilardaga

A Casa Godinho foi também o primeiro comércio a ser declarado patrimônio imaterial da cidade pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (Conpresp), em 2013. Trata-se de um estabelecimento que manteve as características do passado.

"A gente tenta manter o conceito, embora os costumes tenham mudado bastante", diz Romano. "Mas o bacalhau continua sendo o principal produto da casa nos períodos de festas." A Casa Godinho só trabalha com o tipo morhua, peixe pescado na Atlântico Norte e importado da Noruega.

A principal mudança no estabelecimento aconteceu em 2002, quando Romano decidiu abrir uma padaria para vender produtos próprios e driblar a sazonalidade, ganhando um novo tipo de cliente. A mercearia vendia muito no períodos de Páscoa e Natal, mas fora dessas épocas havia perdido movimento. Foi vítima da saída da sede das grandes empresas do Centro que migraram para a região da Paulista e da Berrini. Com a padaria, o fluxo diário de pessoas, que era de 200 por dia, saltou para 700.

Da padaria saiu também o produto que marcou os novos tempos da Casa Godinho: a empada. Foi entre 2005 e 2006, quando Romano contratou o chef Allan Espejo para fazer pratos a partir do bacalhau e ele desenvolveu uma casquinha com o peixe que levava molho bechamel.

O resultado foi bom e Romano avançou na ideia pensando na empada. A primeira obviamente foi a de bacalhau, mas na sequência surgiram os outros sabores e o diferencial foi justamente o molho bechamel. "A cremosidade de nossa empada a tornou diferente de todas as outras", afirma Romano.

O produto foi tão bem sucedido que em 2012 ganhou o prêmio de melhor empada de São Paulo e nessa época a Casa Godinho chegou a vender 1,5 mil unidades do produto em um só dia. Hoje, a média de vendas é de 300 por dia.

Quanto à localização no Centro, Romano está satisfeito. "A minha vida inteira trabalhei aqui, desde os 11 anos, meu pai tinha uma casa lotérica na região e eu tive restaurante na ladeira Porto Geral", lembra. "Conheço bem esse lugar e não me imagino fora do Sampaio Moreira."

Mercearia Godinho
Interior da Casa Godinho com o balção de empadinhas à esquerda - Vicente Vilardaga

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