Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

Quem foi ao Lira Paulistana nunca esquece

Espaço efervescente dos anos 80 ganhará novo documentário com viés sociológico

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São Paulo

O Teatro Lira Paulistana é inesquecível. Situado no subsolo de um sobrado na rua Teodoro Sampaio, 1091, em Pinheiros, numa espécie de catacumba com um palco cercado por arquibancadas de madeira, foi a casa de shows mais efervescente da cidade na primeira metade dos anos 80.

Quem entrasse ali sairia modificado pela energia transformadora da chamada Vanguarda Paulista, movimento que reunia jovens artistas e grupos como Itamar Assumpção, Tetê Espíndola, Premeditando o Breque, Rumo, Língua de Trapo, entre outros.

Nos seus últimos anos, o Lira foi também um berçário do rock nacional, onde se apresentaram bandas como Titãs e Ultraje a Rigor. O lugar era pequeno, suportava no máximo 250 pessoas e com 150 já ficava lotado. Mas era incrivelmente quente e emanava inquietude.

Lira Paulistana
Arquibancadas do Lira Paulistana lotadas em show da Gang 90 e as Absurdettes - Acervo do Lira Paulistana

Agora, quando se completa 45 anos de sua fundação, o Lira vai ganhar um novo documentário. Já houve um primeiro, "Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista", lançado em 2013 e dirigido por um dos proprietários da casa, Riba de Castro. Concentrou-se em entrevistas com artistas que frequentaram seu palco.

Dessa vez a ideia é fazer um filme com uma pegada mais sociológica e política, que será dirigido por Joel Pizzini. "A gente quer fazer um documentário inserindo o Lira no momento histórico em que ele existiu", explica Chico Pardal, outro ex-sócio que está envolvido com a produção. "Naquele momento ele deu certo, é lógico, porque tinha toda a vanguarda musical. Mas o que propiciou tudo isso, o que estava acontecendo em São Paulo e na sociedade?"

O tempo de vida do Lira Paulistana, entre 1979 e 1986, coincide com vários fatos associados ao fim da ditadura e à abertura política. Apesar das limitações do espaço, sua importância cultural foi gigantesca.

Lira Paulistana
Foto de divulgação da banda Premeditando o Breque no teatro Lira Paulistana - Acervo do Lira Paulistana

Nasceu no ano da Lei da Anistia, quando os exilados começaram a voltar para o Brasil, atravessou as manifestações das Diretas Já e acabou um ano depois de um dos últimos suspiros ditatoriais, a eleição indireta de Tancredo Neves, vitorioso num embate com Paulo Maluf.

"O Lira durou pouco, mas teve o mérito de transformação da sociedade. Era o momento da anistia, da formação do PT e São Paulo tinha vivido um marasmo cultural muito grande", diz Castro, também autor de um livro sobre a casa. Bem localizada, a meio caminho da PUC e da USP, era um lugar de liberdade e de alegria para uma geração que tinha crescido num regime repressor.

São Paulo tinha poucos espaços culturais e ao mesmo tempo uma juventude inquieta e sedenta por música boa e afinada com o novo período histórico que começava. Entrar no seu porão parecia uma experiência transgressora que abria horizontes. O palco era baixo e os artistas se apresentavam a poucos metros do público, criando um ambiente de intimidade e empatia.

Lira Paulistana
Antigo endereço do Lira Paulistana, na rua Teodoro Sampaio, 1091, onde hoje funciona a lanchonete Calistro - Vicente Vilardaga

Além disso, o Lira foi mais do que um espaço de shows. Tornou-se também um selo fonográfico e um jornal, além de produzir espetáculos a céu aberto na praça em frente, a Benedito Calixto, na USP e na avenida Paulista. Com o selo da casa, Itamar Assumpção lançou seu primeiro disco, "Beleléu Leléu Eu", em 1981. Foi uma ideia de um terceiro sócio, Wilson Souto Junior, que logo em seguida foi convidado para ser diretor artístico da gravadora Continental.

Nasceu daí uma parceria frutífera entre o Lira e a Continental que rendeu 19 LPs, entre eles "Diletantismo", do Grupo Rumo, e "Quase Lindo", do Premeditando o Breque.

Quando ao jornal também se chamava Lira Paulistana e, além de reportagens, exibia um guia de atrações em São Paulo no estilo da revista Time Out londrina. Lançado em 1981, circulou em 12 edições e foi o primeiro roteiro de artes e espetáculos da cidade. Sua tiragem semanal era de 30 mil exemplares.

Em 1986, o Lira teve um fim tranquilo, deixando nas pessoas que o construíram a sensação de missão cumprida. Simplesmente fechou as portas porque completou seu ciclo virtuoso e os artistas que ajudou a promover se tornaram grandes demais para o seu pequeno porte. Ficaram, porém, muitas saudades.

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