Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

Alarme falso causou 31 mortes no Cine Oberdan

Acidente ocorreu em 1938 e foi a maior tragédia infantil registrada em São Paulo

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São Paulo

Nunca houve uma tragédia infantil em São Paulo como a do Cine Teatro Oberdan, na rua Firmino Whitaker, antes chamada rua Xavantes, no Brás. Trinta e uma pessoas morreram pisoteadas, sendo 30 crianças, no dia 10 de abril de 1938. E tudo aconteceu por causa de um alarme falso que causou desespero nos espectadores que lotavam o local. Depois de um grito de "fogo" todos trataram de sair da sala ao mesmo tempo. As condições de segurança eram precárias e não havia saídas de emergência. O resultado foi um morticínio.

O Oberdan era uma das salas mais luxuosas da cidade, com uma fachada imponente e 1600 lugares. O lugar impressionava pelo luxo nas escadarias e no hall principal. Foi inaugurado em 1929 e seu nome fazia homenagem ao irredentista e patriota Guglielmo Oberdan, que lutou pela unidade territorial da Itália. Morto por enforcamento por ter participado de uma conspiração para assassinar o imperador austríaco Francisco José, ele se tornou um mártir.

Cine Oberdan
Tragédia do Oberdan levou autoridades a reforçar os protocolos de segurança dos cinemas

A iniciativa de erguer o cinema foi, justamente, da Sociedade Italiana Leale Oberdan. Presidente honorário da entidade, o empresário Francesco Matarazzo bancou parte dos custos.

Naquele domingo fatídico o cinema estava lotado e exibia na matinê "Criminosos do Ar", de Charles Coleman. Parecia um programa tranquilo e divertido que não oferecia qualquer risco. Mas, de repente, a situação saiu do controle. Dizia-se que a movimentação enlouquecida das pessoas começou já no final do filme, depois de uma cena em que dois aviões se chocavam, mas a investigação policial mostrou que a origem da tragédia estava em um dos banheiros do local.

Uma criança de dez anos com dores de barriga queria usá-lo desesperadamente e quando chegou lá descobriu que não havia luz. Com a porta do banheiro entreaberta, decidiu atear fogo em jornais para melhorar a iluminação e fazer suas necessidades.

Loja Zelo localizada no antigo Cine Oberdan
Loja Zelo localizada no antigo Cine Oberdan: fachada do prédio no Brás continua intacta

Foi aí que alguém da plateia avistou as chamas, sentiu o cheiro de queimado e deu o alarme de que acontecia um incêndio. Imediatamente todos deixaram suas cadeiras e saíram em disparada do cinema, com duas escadarias estreitas, que levavam ao andar superior e não suportavam o alto fluxo de pessoas, e com uma única porta de saída.

Na correria que se seguiu não havia distinção entre crianças e adultos e todos queriam salvar a própria pele. Sobrou o pior para os pequenos, ignorados na escuridão da sala. No meio do pânico geral foram esmagados pela multidão. Mães tentavam proteger suas crianças, como uma mulher chamada Maria Pereira, de 45 anos, única pessoa adulta a morrer na tragédia. Na tentativa de salvar sua filha Joana, com menos de um ano, que sobreviveu, Maria caiu nas escadarias e acabou sendo pisoteada.

O socorro chegou rápido e os feridos foram levados à Santa Casa de São Paulo, mas muitos não resistiram. Diversas famílias foram destroçadas. A família Pricolli perdeu dois filhos, Walter, de 12 anos, e Pedro, de 8. A família Mandorino viu a morte do filho Enrico, que queria ir ao hipódromo da Mooca naquele dia, mas foi impedido pela mãe, que sugeriu a ida ao cinema.

Reprodução da edição da Folha da Manhã de 12 de abril de 1938 sobre a tragédia do Cine Oberdan

Diante da difícil situação financeira dos parentes das vítimas, o governo do estado decidiu pagar as despesas do sepultamento e optou por um enterro coletivo no cemitério Quarta Parada, no Brás. Houve grande comoção pública e várias instituições se uniram para decretar luto oficial na cidade. Depois do incidente, o cine Oberdan ficou fechado por quatro dias, anunciando sua reabertura no dia 14 de abril com a exibição do filme "Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo".

Por causa da tragédia houve importantes mudanças nas leis municipais que regulavam o funcionamento dos cinemas. Ficou proibido trancar as portas das salas e as saídas de emergência se tornaram obrigatórias. Também se passou a exigir uma melhor iluminação dos corredores. Apesar do acidente, o Oberdan manteve-se em funcionamento até o final dos anos 1960. Posteriormente se transformou numa filial das Lojas Zelo, dedicada a produtos de cama, mesa e banho. A Zelo ocupa o imóvel até hoje.

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