Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Italianos, esses mentirosos insuportáveis

Autor afirma que tradição gastronômica, defendida com exaltação da Itália, foi inventada há meio século

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Bertoni é o sobrenome de solteira da minha mãe. Gioielli é o sobrenome de solteira da mãe dela, minha avó Carmen, morta há muitos anos.

Os Bertoni vieram da província de Verona, no Vêneto, nordeste da Itália; os Gioielli, de um vilarejo meridional, perto de Nápoles.

Exponho os sobrenomes que não carrego apenas para esfregar em vossas nobilíssimas fuças meu lugar de fala para afirmar: os italianos são insuportáveis quando se trata de comida.

Eles arrancam os cabelos quando alguém corta o espaguete. Praguejam e vociferam contra os hereges que colocam abacaxi sobre a pizza.

Aí vem um sujeito —italiano, aliás— e escreve um livro dizendo que não existe essa tradição. Que a culinária italiana tem meio século de existência, fruto de ações de marketing e da emigração maciça dos paesani.

Alberto Grandi, professor de história da alimentação da Universidade de Parma, teve seu livro mais famoso lançado recentemente no Brasil sob o título "As Mentiras da Nonna – Como o Marketing Inventou a Cozinha Italiana" (Todavia).

Bucatini all'amatriciana em receita de Marcos Nogueira
Bucatini all'amatriciana em receita de Marcos Nogueira - Marcos Nogueira

A Itália nasceu como país no século 19, época de miséria e de fome que forçaram a emigração em massa. Houve a unificação administrativa de um território fragmentado culturalmente. Os Gioielli e os Bertoni não falavam a mesma língua e não se reconheciam como compatriotas.

Teria sido nas Américas que os imigrantes, agrupados entre si por causa do passaporte comum, forjaram uma identidade italiana. Isso envolveu a culinária, já que a terra nova oferecia comida a que eles não tinham acesso em casa. Muitos voltaram e levaram consigo os novos hábitos.

E foi no pós-Guerra, mais agudamente a partir da década de 1970, que a Itália investiu pesado no soft power da gastronomia. Resgatou tradições obscuras e criou selos de autenticidade para produtos que, muitas vezes, tinham acabado de ser introduzidos no país.

Grandi cita os tomatinhos de Pachino, variedade desenvolvida por cientistas israelenses e plantada desde o fim dos anos 1980 na Sicília —onde é certificada com a IGP (Indicação Geográfica Protegida) da União Europeia.

O caso mais controverso envolve o espaguete à carbonara, que Grandi afirma ter sido criado a partir de bacon e ovos trazidos por militares americanos nos escombros da Roma arrasada pela Guerra.

Os exemplos do autor podem ser ora notórios, ora passíveis de questionamento. Mas, no geral, Grandi tece uma argumentação sólida para defender a hipótese de uma gastronomia italiana recente, algo fabricada e, a despeito de tudo isso, deliciosa.

Para celebrar a comida fantástica desses mentirosos insuportáveis, segue a receita de bucatini all’amatriciana, uma especialidade do Lácio.

Bucatini all'amatriciana em receita de Marcos Nogueira
Bucatini all'amatriciana do Marcão - Marcos Nogueira

BUCATINI ALL’AMATRICIANA

Rendimento: duas porções

Ingredientes

70 g de guanciale ou pancetta

Flocos de pimenta-calabresa

½ cebola picada (opcional)

1 lata de tomates pelados

200 g de bucatini, espaguete ou rigatoni

Sal e pimenta-do-reino a gosto

Queijo pecorino ralado


Modo de fazer

  1. Pique o guanciale em cubos ou tiras. Frite-o na própria gordura, com pimenta-calabresa a gosto, até dourar. Escorra e reserve.

  2. Na gordura do guanciale, refogue a cebola até amaciar. Acrescente o tomate e cozinhe por cerca de 15 minutos.

  3. Cozinhe a massa de acordo com as instruções da embalagem.

  4. Devolva o guanciale ao molho pouco antes de escorrer o macarrão. Ajuste sal e pimenta. Misture a massa ao molho e sirva com pecorino.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.