Jairo Marques

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A inclusão que se esvai ao primeiro gol

Copa do Qatar explora deficiência, mas promover a diversidade é algo que vai bem além

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"Que emocioantchi! Que fofo! Que exemplo! Que puro creme do milho." Essas, geralmente, são expressões que costumam acompanhar narrativas que envolvem alguma apresentação de pessoas com deficiência, a exemplo do que aconteceu na abertura da Copa, no Qatar, quando um homem sem as pernas discursou ao lado do ator Morgan Freeman.

Mas nem é preciso ir tão longe. No encerramento de uma reportagem do Jornal Nacional que mostrava "preocupação" dos organizadores da competição com acessibilidade e inclusão nos estádios, a apresentadora soltou um "que boniiiito" pela iniciativa adotada.

Compreendo que vidas vividas fora do roteiro conhecido de nascer gordinho, pular Carnaval e "casar bem" guardam em si um legítimo potencial de comover, até aí, tudo bem Ver possibilidades de existir que avancem os nossos conceitos e o que entendemos como limites arrebata emoções e nos coloca em reflexão a respeito de nossos caminhos, nossas escolhas e a que estamos nos dedicando, ok.

O problema é que nos habituamos a explorar o valor diverso das deficiências como apelo sentimental, punitivo ou até moral, o que afasta demais o grupo de uma esperada naturalização de ser como é, de poder habitar esse mundão com a necessária equidade, mas que isso custe uma certa excentricidade.

Adendo essa questão a uma situação particular do Mundial: usou-se a boniteza de celebrar a inclusão e a diversidade na porta da frente, mas, na porta dos fundos, direitos humanos, direitos das mulheres, respeito à pluralidade de gênero são silenciados.

O movimento do diverso, é preciso frisar sempre e incansavelmente, não tem legitimidade se seleciona quem embarca na modernidade do pensamento e ganha novos olhares —oportunidades, acessos, vez, emprego, dignidade.

Selecionar quem vai ser abraçado e agraciado com o acesso básico de poder ser quem é, respeitando e entendendo suas especificidades está longe do ideal da construção de pluralidade propagada aos quatro cantos e já mais do que evidenciada como fundamental à humanidade.

"Ah, rapaizim da cadeira, deixa de ser xarope! O assunto é futebol. Vamos fazer festa! Nem vem." São nos eventos mais emblemáticos que as demonstrações que se entendeu o clamor de mudanças de representação, reconhecimento e espaço precisam aparecer sem timidez ou disfarces. Tem de ser real, enfático e de todas as cores para valer.

Se o Qatar quer propagar ao planeta que foi palco da competição mais acessível do universo, com direito a salas pensadas para que torcedores autistas assistam aos jogos com mais conforto, por exemplo, teria de associar inclusão ao pluralismo de ser.

O apelo dos corpos com deficiência e suas maneiras peculiares de ver, andar, ouvir e se manifestar vai seguir tocando coraçõezinhos que se esvaem ao primeiro grito de gol –em seguida tá todo o mundo parando em vagas reservadas e sendo capacitista em atitudes.

O compromisso humano com a diversidade tem de ser contínuo, perene e amplo, tudo fora disso, vamos encarar a realidade, é maquiagem bem estigmatizante, daquelas para inglês ver, brasileiro tirar sarro, japonês organizar e argentino chorar.

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