Mulheres com deficiência falam de sexualidade e de relacionamentos nas redes sociais

Influenciadoras dizem que querem ser ouvidas e que não precisam se submeter a qualquer tipo de relação

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São Paulo

A percepção de que mulheres com deficiência ficam à margem quando o assunto gira em torno de sexualidade, sensualidade, direitos reprodutivos, autoestima e relacionamentos vem mudando com o crescente movimento de influenciadoras digitais e ativistas que reivindicam seu lugar de fala e abordam esses temas. O grupo representa 26,5% da população feminina brasileira, segundo o Censo do IBGE de 2010.

A criadora de conteúdo, modelo e fotógrafa Maria Paula Vieira, 29, diz que demorou para entender o olhar da sociedade. "Na infância não sabia o que era o capacitismo, conceito recente, mas já ouvia falarem que eu era uma cruz para a minha mãe. Então, muitas vezes estamos bem com quem somos, mas o olhar de curiosidade, de preconceito, começa a minar a nossa autoestima."

Mulher em primeiro plano aparece desfocada e segura com a mão esquerda um celular, no qual aparece sua imagem sorrindo. Ela é branca, tem cabelo castanho liso e usa roupa pink
Maria Paula Vieira é influencer, modelo e atriz. Desde 2015, fotografa mulheres diversas, focando na beleza dos corpos e na autoestima das clientes e dela própria - Zanone Fraissat/Folhapress

Vieira tem uma doença genética, nunca diagnosticada, desde os três anos, que dificulta seus movimentos. "A adolescência é uma fase de descobertas, de questões de relacionamento, mas eu não era chamada para ir ao cinema, não recebia cartinhas dos garotos."

Com os anos, ela diz que começou a sair mais de casa. "É um processo constante, mas não é linear. Se acolher, se olhar com carinho."

Segundo Vieira, muitas vezes o parceiro de uma mulher com deficiência é considerado um herói simplesmente por ter assumido a relação publicamente.

"Estava em uma festa, com um ex-namorado, e uma mulher chegou a quase chorar na nossa frente. E isso é algo comum até hoje, elogios como se meu parceiro fosse sempre um herói por estar comigo."

Carolini Constantino, assistente social e fundadora do coletivo feminista Helen Keller, diz que muitas vezes a mulher com deficiência é vitima de dupla pressão: machismo e capacitismo.

"A mulher com deficiência não é vista como mulher, como alguém que pode cuidar da casa, dos filhos. Se sou cadeirante, olham para mim e pensam que não sou capaz de engravidar", diz Constantino, que foi pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Deficiência da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). "Eu tenho AME [Artrofia Muscular Espinhal] e uso cadeira de rodas desde criança, carregava uma culpa, mas estudando o assunto entendo que sou atraente, sou bonita também."

Zannandra Fernandez, 20, é estudante de relações internacionais e diz que, há dois anos, começou a produzir conteúdo na internet, abordando temas como maquiagem sob a perspectiva de uma pessoa com deficiência ou roupas acessíveis. Ela tem planos de se mudar de Cuiabá para São Paulo no próximo ano. "Por isso, comecei a morar sozinha para que a mudança não seja tão difícil."

Sobre relacionamentos, ela diz que a insegurança, muitas vezes gerada pelo capacitismo, alimenta a sensação de que a mulher com deficiência vai acabar sozinha. "Não temos que nos submeter a qualquer tipo de relação. Há muito relacionamento abusivo e tóxico, não apenas amoroso. A pessoa com deficiência tem que aceitar tudo, senão é tida como ingrata, mal-agradecida."

Fernandez diz que já aconteceu de a pessoa admitir que gostava dela, mas que tinha medo do que as outras pessoas podiam pensar. Também passou pela experiência de achar que ter um relacionamento às escondidas era normal, uma opção dela para preservar a vida pessoal. "Com o tempo você vai entendendo seus limites e não aceitando mais."

A jornalista Ana Clara Moniz, 22, cria conteúdos desde os 18 e conta que fez sua primeira viagem sozinha recentemente para assistir ao Rock in Rio. Ela tem atrofia muscular espinhal que afeta músculos do corpo. "Nunca andei e isso nunca foi um problema. Sempre fui muito consciente de que faz parte de quem eu sou", afirma ela, que mora com uma amiga.

Quanto a relacionamentos, Moniz diz que, em julho de 2021, falou publicamente que era uma mulher bissexual e assumiu um namoro com uma mulher, com quem ficou pouco mais de um ano. "Não se imagina que uma pessoa com deficiência possa ter atração."

Ela afirma que, na escola, foi a última da turma a beijar. "Na adolescência, um menino falou que nunca ficaria comigo por eu ser uma pessoa com deficiência. Isso machuca muito a gente, gera traumas, insegurança e medo de enfrentar situações. Ainda falta informação à sociedade e precisamos enfrentar os desafios. Tive que me aceitar como mulher com deficiência, bissexual e me posicionar, entender as situações de preconceito."

Visibilidade

A fotógrafa Maria Paula Vieira chama a atenção para o fato de as mulheres com deficiência raramente estamparem revistas ou propagandas. "Não nos vemos nos locais, falta representatividade."

Isso a levou a fotografar outras mulheres e a ter uma exposição no Metrô de São Paulo em 2020: "Mães Invisíveis". "A mulher com deficiência passa por solidão. Se ver representada valida a nossa existência, mostrar belezas diversas, trabalhar a autoestima. Ouço muito delas que querem ser fotografadas por alguém que entendam essa autonomia e a acolham."

Zannandra Fernandez concorda. "Quero me ver representada no lugares e não vou sossegar enquanto isso não acontecer. O grupo de pessoas com deficiência tem uma pluralidade muito singular, entender que você é única."

Ela fez um ensaio fotográfico no qual deu destaque à tatuagem com a palavra cadeirante em sua barriga. "Recebi muitos comentários negativos, especialmente de mulheres, que não conseguiam entender que é orgulho ser cadeirante, minha deficiência faz parte da construção da minha autoestima."

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