Jairo Marques

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Descrição de chapéu pessoa com deficiência

O marasmo inclusivo de Lula 3

Presidente trata a pessoa com deficiência como etc dos grupos sociais e quase nenhuma ação para reverter desastre bolsonarista foi tomada

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São Paulo

Só nesta semana, depois de Lula já ter ido à China, ter beijado a mão do novo rei na Inglaterra e ainda ter tido oportunidade, em visita aos Emirados Árabes, de dar um pitaco auspicioso na Guerra da Ucrânia, a Presidência da República resolveu mandar um bilhete para os ministros por meio do Diário Oficial: "Gente tá ficando feio. Temos de fazer alguma coisa pelo povo avariado das partes. Tem como?".

Depois de desfilar e fotografar com a diversidade na rampa do Planalto, num alento para tempos de todo tipo de exclusão, o presidente Lula tratou a pessoa com deficiência como o etc dos grupos sociais marginalizados e quase nenhuma ação efetiva para reverter o desastre de perdas provocadas pela mentalidade bolsonarista foi tomada.

O "ninguém vai ficar de fora do meu governo" derrapa em um crônico desconhecimento da realidade de parte importante da população que labuta por dignidade e cidadania com seus desafios físicos, intelectuais e sensoriais. Tudo, até agora, foi protocolar.

No New York Times, Lula e a 'diversidade' brasileira
No New York Times, Lula e a 'diversidade' brasileira - Reprodução

Tanto é verdade que o despacho, assinado pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, fala em ressuscitar um plano de dez anos atrás, o Viver Sem Limites, para ver se alguma coisa é feita, numa cobrança vaga e descolada de demandas inclusivas urgentes.

Os anos de Bolsonaro comprometeram a escola inclusiva em seu conceito e sua aplicabilidade, alterou o curso da mentalidade de que ter uma deficiência não impede ninguém de atuar em sociedade e massacraram a Lei Brasileira de Inclusão.

A pessoa com deficiência no Brasil hoje não tem acesso a tecnologias que tentam equilibrar oportunidades –uma cadeira de rodas de boa qualidade pode custar R$ 50 mil—, não há recuo fiscal para nada que dignifique e humanize a vida nas diferenças, o assistencialismo se entranhou nos debates de acesso ao trabalho e aos direitos e o capacitismo está até na fala presidencial.

Tudo isso está se entranhando perigosamente em sociedade. Voltamos a reclamar de respeito a vaga reservada em estacionamento, de oportunidades de emprego, de conseguir entrar no transporte público ou de fazer jus a oportunidades de equidade.

Em recente decisão judicial, por exemplo, um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou que um homem cego que teve seu direito de embarcar num carro de aplicativo com seu cão-guia recusado sofreu "um mero dissabor cotidiano" e que "muitas pessoas têm medo de animais de estimação", logo, ele não teria direito a nenhum reparo moral e que se dane.

O caso, que foi publicado pelo jornalista Luiz Alexandre Ventura, no Estadão, demonstra como a ausência de um governo que indique que a nação entende a pessoa com deficiência como cidadã plena e que irá defender institucionalmente sua legitimidade de estar vivo e de ser, repercute negativamente em todos os cantos.

Só para grifar, ser humilhado por sua condição humana não é um azedume do dia a dia, é um escárnio, que fere a dignidade, que aparta, que exclui, que torna inferior e que envergonha o vivente; cão-guia não é um bichinho fofo que cata bolinha, mas um profissional de acessibilidade que torna a vida de pessoas cegas mais inclusiva e segura.

Há tempo para deixar o marasmo de achar que inclusão governamental é a primeira-dama "curtir" dancinha de gente que se diz "PcD" —seja lá que diabos signifique isso— e faz vídeo engraçado em redes sociais com bengala. Já está passando da hora de Lula chamar um debate sério sobre as demandas dos excluídos. Não dá mais para pessoas com deficiência serem apenas etc.

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