Jairo Marques

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Quando o seu mundo depende de um chiqueirinho

Festivais como o The Town explicitam como o pensar a diversidade ainda é capenga

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"Ixi, acabou o espaço no cercadinho dos deficientes. Lotou! Um monte de gente que não precisa estar lá tomou os lugares, mas não podemos fazer nada, sabe como é. Então, você pode assistir ao show por aí, no meio da galera [com o risco básico de ser macetado], ou ali, bem longe, mas dá pra ver pelo telão."

A grande verdade que ainda vinga no mundo é que ser uma pessoa com deficiência é ser quase, quase igualzinho gente, mas ainda não totalmente gente.

Há um enorme faz de conta inclusivo em vigor, o que movimenta milhares de pessoas em busca de respiro por ser e estar no mundo, mas o improviso e a lambança de planejamento para incluir imperam, sobretudo em grandes eventos, mas não somente neles.

Uma pessoa em uma cadeira de rodas está em frente de um letreiro gigante onde se lê The Town; há outras dezenas de pessoas no mesmo local
Pessoas com deficiência também formaram o publico chega do festival The Town, no autódromo de Interlagos, na zona sul de São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

O famigerado festival The Town, que aconteceu em SP, foi um exemplo completo de como ainda é capenga pensar em diversidade de uma maneira sistemática e real. O espaço tinha o discurso de promover o tudo para todos, e até tentou fazer isso, mas esbarrou no básico: ouvir as pessoas envolvidas em suas ações inclusivas.

Todos os dias, o chiqueirinho reservado para pessoas com deficiência –projetado um pouco mais elevado e com cadeiras para quem não poderia ficar em pé por muito tempo ou para acompanhantes— teve o acesso fechado por falta de vagas.

Tinha de tudo, cada um reivindicando um naco de "privilégio", seja por uma dor no cotovelo, seja por sentir tontura. A irmandade nas diferenças ainda não se consolidou, então, para ter uma "visão melhor do palco", muita gente tira atestado do bolso. O orgulho malacabado, por enquanto, mora só no exercício de diretos.

Isso fez com que dezenas de pessoas em cadeira de rodas ou com nanismo fossem empurradas a verem as apresentações olhando para os pescoços de quem estava na frente, com zero visibilidade do palco, correndo sério risco de segurança.

A outra opção era assistirem aos espetáculos da "lua", num outro chiqueirinho, a quilômetros de distância, no típico "pra você tá bom".

Oras, por que esse público não foi levado para a mesma área reservada em frente do palco, de maneira protegida, como os VIPs? Todos eram pagantes impedidos de terem a experiência que esperavam. Não foram porque ainda paira um pensamento de "favor inclusivo", de serem quase gente.

No centro de um palco multicolorido com luzes, um enorme dragão cinza de asas abertas
Dragão usado no palco da aparesentação do cantor Jão, no The Town - Adriano Vizoni/Folhapress


Se houve erro estratégico de projetarem um lugar onde cabiam 30 pessoas para acomodar cem, afinal, gente como eu não para de bater o bumbo para o povo quebrado sair da caverna e encarar a rua, que tivessem coragem de criar um espaço digno, mesmo que emergencialmente.

"Ah, mas fizemos de um tudo. Teve até uma salinha para autistas. Vans de ‘graça’". Fizeram pouco e não foi aprofundado o conceito que, insisto, ter questões de mobilidade, sensorial ou intelectual não tira das pessoas o título de gente que precisa ser ouvida, respeitada, incluída e bem recebida.

Mais engajamento de artistas –que não economizam em pirotecnias para mostrar o quanto são plurais em gênero—, mais participação ativa de pessoas com deficiência no pensar estratégico, mais noção dos organizadores sobre pluralidade humana, de verdade, ajudaria a mudar essa realidade.

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