Jairo Marques

Assim como você

Jairo Marques - Jairo Marques
Jairo Marques
Descrição de chapéu pessoa com deficiência

Como editoras ainda escanteiam livros sobre diversidade

O que se publica são condescendências a histórias tristes com pouca ou nenhuma profundidade a respeito das inerências de não ver, não andar, não ouvir

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São Paulo

Todo o mundo leu e não se esqueceu de "Feliz Ano Velho", do meu companheiro quebrado Marcelo Rubens Paiva. De lá para cá, passaram-se 40 anos e obras que tenham a diversidade física, sensorial ou intelectual como tema, no Brasil, não conseguem prestígio nem visibilidade entre as editoras.

A genialidade do Paiva e seu talento literário são inegáveis, mas a busca por outras histórias que revelem com originalidade a empreita humana em estar vivo diante de adversidades é claramente pífia, estigmatizada e preguiçosa.

O que até move algumas bundas de editores são batidos relatos de tragédias pessoais cheias de lugares-comuns e "superações" patéticas que traduzo como "dar um jeito na existência" porque as contas estão aí para pagar e pouca gente irá se importar com isso. Parece dureza, mas é real. A tragédia alheia tem tempo curto na realidade da gente.

Em um fundo com flores rosa e branco estão dispostos diversos livros com capas de várias cores
Exemplos de obras de autores com deficiência ou que abordam aspectos da deficiência - Divulgação

O que se publica, muitas vezes, são condescendências a histórias tristes com pouca ou nenhuma profundidade a respeito das inerências de não ver, não andar, não ouvir ou sentir o mundo de uma maneira que desperte reflexão, sensações, angústias, medos, autoanálise que seja.

Assim como há sentido, valor e talento na literatura negra, em encorajar relatos de feminismo, existe a literatura a respeito da deficiência. Relatos sobre formas de amar, de ver o mundo, de não caber no mundo, de enfrentar o mundo, de sentir diferente, de encantar sendo diferente e de resistir não sendo igual.

O que também vejo em parcas vitrines, vez ou outra, são obras infantis que tentam trabalhar a "aceitação" do cadeirante, do autista, da pessoa com Síndrome de Down, do cego, do surdo, com variações de apelos discretos sobre o mantra "todo mundo é igual" ou "todo mundo cabe no mundo".

O atraso na compreensão de valores como a educação inclusiva, por exemplo, que sempre perde espaço para "o sofrimento do meu filho que não é cuidado na escola", vem da total carência de obras que tratem das questões sociais da deficiência.

Não temos livros que mostrem, com profundidade, as dores geradas pelo capacitismo —o preconceito contra pessoas com deficiência— e o impacto que ele provoca na existência do "serumano".

Não há obras por aqui que explicitem, como diz a jornalista Claudia Werneck, que pessoas com deficiência, muitas vezes, estão sob um "padrão de tutela" social que indica o que podem e o que não podem, o que acessam ou deixam de acessar, se vão ou se ficam.

Se existe uma onda de censura por parte de mandatários toscos em relação a livros que entendem moralmente inapropriado, o que é uma bobagem sem fim, não é exagero dizer que há um silenciamento editorial a respeito de tirar das catacumbas autores que contemplem diversidades em seu jeito de andar, de ver, de ser, de ouvir.

Ainda bem, que também temos obras-primas vindas de outros mundos, que embora não sejam de autoria de quebrados, retratam o universo das diferenças de maneira a impactar, ensinar, comover e mover: "Ensaio sobre a Cegueira", do Saramago, "Flores para Argenon", de Daniel Keyes, e o magistral "Longe da Árvore", de Andrew Solomon.

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