Café na Prensa

Tudo sobre a bebida, do grão à xícara

Café na Prensa - David Lucena
David Lucena
Descrição de chapéu café Minas Gerais

Aos 50, cafeicultura do cerrado mineiro tenta reinvenção com agricultura regenerativa

Sob pressão climática, produtores apostam em manejos sustentáveis diante de mercado mais exigente

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A imagem mostra uma vasta plantação de café sob um céu azul claro. As fileiras de plantas de café são visíveis, com folhas verdes densas. Ao fundo, há uma colina com vegetação e uma linha de árvores. O solo é de terra batida, com algumas áreas de grama ao redor das plantas.

Auma Agronegócio, propriedade com 240 hectares de café em Patos de Minas que recorre a algumas práticas regenerativas - David Lucena / Folhapress

Cerrado Mineiro

A aridez dominava a vegetação do cerrado que margeia a rodovia BR-365 entre Uberlândia e Patos de Minas em meados de julho deste ano. Não chovia havia mais de 90 dias –algo normal para a região.

É por essas e outras características climáticas que, no início dos anos 1970, quando um grupo de agricultores chegou à região dizendo que lá plantariam café, chamaram-lhes de loucos.

Agora, cinco décadas depois, o cerrado mineiro não apenas produz 13% do café brasileiro como atua, nos últimos anos, em um processo de adaptação para se consolidar como referência nacional de sustentabilidade.

O foco na questão ambiental ocorre após o cerrado registrar quatro anos de aumento nas taxas de desmatamento, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). A devastação do bioma, contudo, costuma estar ligada a outras culturas, como soja, e em outras regiões, como o perímetro chamado de Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

No cerrado mineiro, a agricultura regenerativa se tornou o mantra de alguns produtores. De modo geral, o termo se refere a práticas de conservação e regeneração do solo, da água e da biodiversidade, a fim de, entre outras coisas, emitir menos gás carbônico do que as técnicas agrícolas tradicionais.

A prática é uma das grandes apostas do setor para lidar com as mudanças climáticas. Para os produtores, é vantajoso porque deixa a plantação mais apta a enfrentar os eventos climáticos extremos.

E, para as multinacionais que compram esses grãos, é um dos grandes aliados para que consigam alcançar suas metas de redução de emissão de gás carbônico. Tanto que a Nestlé é a maior compradora dos cafés do cerrado mineiro. A empresa tem como meta para 2025 que 20% de todo o café que adquire seja oriundo de práticas regenerativas.

A agricultura regenerativa, contudo, ainda carece de definição precisa, e essa abstração é alvo de críticas por alguns especialistas. Como não há uma regulamentação, dizem, fica inviável fiscalizar se determinada empresa realmente está adquirindo café oriundo desses manejos.

Existem várias práticas que podem ser consideradas regenerativas. Uma delas, por exemplo, é o cultivo de plantas de cobertura, que fazem com que o solo se mantenha mais rico, descompactado e fresco.

Na fazenda Três Meninas, de 54 hectares, o casal Paula e Marcelo Urtado implementam gradativamente essas técnicas desde que assumiram a propriedade, há oito anos.

Ao longo das safras, perceberam mudanças significativas na lavoura, que tem demonstrado uma capacidade de retomar o vigor mais rapidamente após eventos climáticos extremos.

Essa é, aliás, uma das principais vantagens elencadas pelos defensores desse tipo de manejo. Além de contribuir para frear a crise do clima, já que, em tese, emite menos gases causadores do efeito estufa, ainda deixa a lavoura mais resiliente, isto é, capaz de reagir mais rapidamente aos eventos climáticos extremos —que devem se tornar mais frequentes à medida que a média da temperatura global aumenta.

Isso se deve a vários fatores, como, por exemplo, ao fato de o solo se manter fresco e úmido por mais tempo —mesmo em tempos de secura extrema e um atípico inverno quente.

Na Três Meninas, além de usar técnicas como árvores de cobertura do solo, a propriedade investiu em outras frentes de sustentabilidade, como o uso de painéis solares capazes de atender toda a demanda da propriedade. "Eu saí de uma conta de luz de R$ 25 mil para R$ 0,70, que é a taxa mínima", diz Paula Urtado.

A Três Meninas se tornou uma referência tão grande por suas práticas ambientais que, em agosto de 2023, o casal Urtado chegou a receber na propriedade o CEO global da Nestlé, Mark Schneider.

O protagonismo do casal Urtado alçou Marcelo à presidência do Consórcio Cerrado das Águas, plataforma que reúne várias empresas concorrentes, como Nescafé, Lavazza e Starbucks, com o objetivo de auxiliar produtores da região a adotar um uso mais consciente dos recursos hídricos e, consequentemente, adaptar suas práticas agrícolas para métodos mais sustentáveis, a fim de enfrentar as mudanças climáticas.

Alguns críticos da agricultura regenerativa frequentemente dizem que as práticas não são replicáveis em larga escala, o que é criticado por Lucimar Silva, CEO do grupo Auma, complexo de empresas agroindustriais fundado por Claudio Nasser de Carvalho.

À frente de 240 hectares de café, Lucimar diz que a fazenda recorre a algumas técnicas regenerativas e que continua aderindo gradativamente a novas práticas, a fim de reduzir suas emissões. Hoje, a fazenda, além de investir em plantas de cobertura do solo, aposta no uso dos resíduos vegetais e animais para a produção de fertilizantes naturais e até para a produção de energia elétrica, que abastece a própria fazenda.

Outra parte dos resíduos é usada na produção de biometano, que abastece carros da frota da empresa. Atualmente, cinco veículos da fazenda já são adaptados para o uso de biometano, mas o objetivo é expandir o projeto, diz Lucimar.

Os agricultores de diferentes portes que migraram para as práticas regenerativas na região se dizem otimistas, apesar de um cenário climático que deve se tornar mais adverso em um futuro sob condições climáticas extremas.

Assim como os que deram início à cafeicultura local, décadas atrás, os pioneiros da agricultura regenerativa, como o casal Urtado, agora esperam inspirar outros agricultores. "Chamaram de loucos os que começaram a cultivar café aqui 50 anos atrás. E veja onde eles chegaram. Agora os ‘loucos’ somos nós", diz Paula Urtado.

O jornalista viajou a convite da Federação dos Cafeicultores do Cerrado Mineiro.

Acompanhe o Café na Prensa no Instagram @davidmclucena e no X (ex-Twitter) @davidlucena

Qual assunto você gostaria de ver aqui no blog? Envie sugestões para david.lucena@folhapress.com.br

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.