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Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli
Descrição de chapéu ciclismo

Alto fluxo de ciclistas demanda ciclopassarela sobre o Pinheiros

Projeto existe e está no papel há 26 anos

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Projeto que prevê a ligação dos bairros Pinheiros e Butantã por uma malha cicloviária existe há 26 anos, atravessou 9 gestões, tem dinheiro reservado, e até hoje não passa de promessa.

A iniciativa surgiu em 1995, como cumprimento de exigência para licenciamento da Operação Urbana Faria Lima, época que Paulo Maluf (então PPR) governava a cidade de São Paulo. O plano inicial previa a construção de ciclovia na avenida Faria Lima, ligando o Largo da Batata à avenida Pedroso de Moraes, e posteriormente a construção de uma conexão dessa ciclovia ao bairro do Butantã, do outro lado do rio Pinheiros.

Vista aérea de pontes
Vista aérea das pontes Eusébio Matoso e Bernardo Goldfarb, local previsto para a construção de uma ciclopassarela independente (foto: Caio Guatelli) - Caio Guatelli

De lá para cá, o projeto passou por algumas modificações, teve sua previsão orçamentária reajustada, e foi executado em partes por gestões posteriores à de Maluf. Foi apenas na segunda gestão de Gilberto Kassab (PSD), em 2012, que a ciclovia da Faria Lima teve seu primeiro trecho construído.

Em 2014, na gestão de Fernando Haddad (PT), o projeto ganhou um grande impulso, foram adicionados cerca de 30 milhões de Reais para o que passou a ser chamado de Operação Urbana Consorciada Faria Lima (OUCFL). O projeto da ciclopassarela teve verba aprovada, mas nada saiu papel.

Enquanto isso, desde a ideia inicial de 1995 até hoje, a população da cidade saltou de 9 para 12 milhões de habitantes, o trânsito ficou estrangulado pelo crescimento desordenado, a economia derrapou, e a bicicleta ganhou papel determinante na sociedade. Economia, ecologia, agilidade e saúde fizeram da bike o modal de transporte que mais cresceu em São Paulo nos últimos anos.

Mariana de Oliveira é uma entre tantos que prefere a bike ao carro ou transporte coletivo. Todos os dias ela acorda antes do amanhecer, passa seu café, embala sua marmita e toma seu rumo. Faça chuva ou faça sol, é de bicicleta que Mariana cruza os 14Km de periferia que separam sua casa, em Taboão da Serra, de seu trabalho, na avenida Faria Lima (São Paulo).

Por grande parte do caminho, Mariana é servida por boas ciclovias, como a da avenida Eliseu de Almeida, que liga a sua cidade, Taboão da Serra, ao bairro paulistano do Butantã. Com segurança ela consegue avançar nas pistas exclusivas, deixando para trás o lento e barulhento enxame de veículos que carrega outros periféricos na mesma direção. "Saio na mesma hora e chego bem antes que o busão", diz com satisfação. Mariana completa: "além de não poluir, ainda faço exercício todos os dias. Bem melhor que academia".

Ciclista pedala sobre ponte
A ciclista Mariana Oliveira usa a calçada da ponte Eusébio Matoso (foto: Caio Guatelli) - Caio Guatelli
A segurança e a satisfação dessa mulher (e de todos os ciclistas que fazem aquela rota), acaba na beira do rio Pinheiros. A extensa represa de esgoto, que serve também de marco divisório entre o centro financeiro do país e os limites da periferia paulistana, interrompe a malha cicloviária entre suas margens.
Para o residente periférico que não pode ou não quer usar carro para cruzar o mapa da cidade, chegar à outra margem do Pinheiros é tarefa que exige paciência ou coragem —paciência se a ideia é ir de ônibus; coragem se a ideia é se aventurar a pé ou de bike nas pontes projetadas para carros.

No caso de quem vem da zona sul e quer chegar ao centro, como faz Mariana, um dos caminhos mais usados para atravessar o rio é a ponte Eusébio Matoso. Próximo às duas extremidades dessa ponte existem grandes ciclovias, mas a ponte em si não oferece nada além de uma calçada estreita, onde só cabe uma bicicleta ou um par de pedestres por vez.

O caminho é uma trilha áspera e rude —de um lado a cerca baixa e enferrujada "protege" contra o fétido precipício, do outro, o enxame de veículos passa apressado e fumegante. Quem tem urgência e muita coragem se aventura na pista "dos carros" —é jogar com a sorte em meio a uma corrida maluca até a outra margem. Ao fim da travessia, em qualquer um dos extremos, outro perigo: cruzar a alça de acesso para a avenida Marginal Pinheiros. Não há semáforo para proteger pedestres e ciclistas, e a travessia depende da boa vontade dos motoristas (algo raro).

Mesmo com todos os riscos e dificuldades, muita gente prefere cruzar a ponte de bike ou a pé. Para checar essa frequência, o coletivo Bike Zona Oeste foi até a ponte Eusébio Matoso fazer uma contagem nos horários de pico. O resultado impressiona —tem gente demais pedalando por ali. A pesquisa, realizada em 24 de novembro, indica que, no horário de maior movimento (18-19h), 140 pessoas chegam a atravessar a ponte em bicicletas. De adolescentes a idosos, de entregadores a atletas, os tipos são diversos. Eram 16 as mulheres, 3 delas levavam filhos pequenos na garupa.

O "mapa de calor" sobre a ponte Eusébio Matoso, gerado por sistema estatístico do Strava Metro —plataforma que contabiliza deslocamentos não motorizados— confirma um fluxo muito intenso de ciclistas nos dois sentidos, ratificando a pesquisa do coletivo Bike Zona Oeste.

A solução para tanto perrengue está pronta, desde 1995. O velho projeto da ciclopassarela foi reformulado e hoje prevê acessos à ciclovias que não existiam no projeto inicial, como a do Rio Pinheiros, que vai do Jaguaré até Jurubatuba, a da avenida Eliseu de Almeida, que liga São Paulo à vizinha Taboão da Serra, e a ciclovia da Rebouças/Consolação, que liga Pinheiros ao centro de São Paulo. É o elo que falta para dar vazão a um enorme fluxo de cidadãos que preferem a mobilidade sustentável.

O dinheiro sempre esteve em caixa —o valor reservado e atualizado para a execução da obra já ultrapassa os 48 milhões de Reais. Atualmente, os papéis estão rodando nas mãos do Grupo de Gestão da Operação Urbana Consorciada Faria Lima. O que falta é a vontade política de vereadores e do prefeito. A promessa atual é que a ponte seja erguida até 2023.

Enquanto os anos passam e as promessas são esquecidas, trabalhadores e trabalhadoras como Mariana de Oliveira são obrigados a continuar pedalando em meio ao caos, pelas perigosas trilhas urbanas.

Ironicamente, o trabalho de Mariana —a ciclista periférica— é cuidar de um estacionamento de carros e motos na avenida mais rica do Brasil, a Faria Lima.

Agradecimentos à equipe do coletivo Bike Zona Oeste, representados por Sasha Hart, Ronaldo Reina, George Queiroz e Reginaldo Formiga, pelo trabalho voluntário de estatística sobre a circulação de bicicletas na ponte Eusébio Matoso.

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