Todo santo dia é a mesma coisa. Bem cedinho, por volta das seis e meia, padre Julio Lancellotti chega caminhando à paróquia São Miguel Arcanjo, no bairro da Mooca (zona leste de São Paulo).
De sandália, calça jeans, camisa branca e um singelo colar de crucifixo, ele para em frente à igreja. Sempre tem alguém o esperando perto do portão.
"Padre Julio, será que o senhor consegue me ajudar com um emprego, comida e umas roupinhas para minha filha?", disse um homem magro que segurava um bebê de poucos meses em seu colo, nesta segunda-feira (27/2).
Prontamente padre Julio olhou em seus olhos e perguntou seu nome. Enquanto a conversa andava, chamou um dos voluntários (geralmente há um ou dois que chegam à paróquia antes do padre).
"Traga comida e roupas para essa família, por favor", disse ele a Paulo Escobar, um chileno forte com labaredas tatuadas no pescoço. Ex-morador de rua, Paulo é hoje um fiel escudeiro nas lutas do padre.
Paulo então voltou com pão, roupas e leite para o bebê.
Pouco antes das sete, após atender tantos aflitos, padre Julio se recolhe ao seu escritório.
A igreja enche.
Enquanto alguns beatos e carolas saúdam o altar, moradores de rua chegam para receber doações. A maioria deles escolhe não entrar, ficam olhando o templo pelas portas.
Sete em ponto ele reaparece.
Vestindo túnica e estola, padre Julio se dirige ao altar para executar a cerimônia. Após se curvar em frente à imagem de São Miguel Arcanjo, profere ritualmente as palavras da Bíblia.
Como parte do seu costume, no desenrolar da cerimônia padre Julio desce de seu posto e senta em meio aos devotos. Em suas mãos tem trazido outro livro, "A Religião de Jesus", de José Maria Castilho, do qual escolhe trechos para comentar situações contemporâneas.
Com a voz firme e forte, o homem de 73 anos vence facilmente o ruído de carros e caminhões que invade o templo com toda a força.
"Muitos religiosos perderam valores da verdade, da justiça, da fraternidade e da compaixão. Os poderosos enriquecem, erguem arranha-céus, constroem viadutos, enchem a cidade de carros e impiedosamente esmagam os pobres e os fracos. É preciso humanizar a vida", proferiu junto aos seus discípulos enquanto o trânsito barulhento da Mooca já não poupava mais ninguém, nem mesmo o sagrado culto daquele lugar.
Após a missa, padre Julio habitualmente se reúne a voluntários para uma caminhada de 5 minutos até o Centro Comunitário São Martinho, onde todos os dias distribui alimentos e roupas para cerca de 600 desabrigados.
No caminho, o sacerdote atende tanto aos pobres coitados caídos pelas calçadas quanto a aflitos (como eu) atraídos pela sua capacidade de compreender os dramas do mundo.
— Padre Julio, o que pensar a respeito da guerra na Ucrânia?
— Primeiro que não é a única guerra em vigência no momento. Tem bombardeios na Síria, na Somália, no Iêmen… Então a mídia se volta só para uma situação, mas são várias as situações de guerra que vivemos atualmente. É importante dizer que toda guerra é instrumento de poder onde os poderosos usam das armas e da força econômica e política para esmagar os pobres e os fracos. Toda guerra mata, todo tipo de guerra é injusta. Como disse o Papa Francisco, calem-se as armas.
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