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Caio Guatelli

Erro de projeto em ciclovia de SP causa série de acidentes graves

Problema é crônico e conhecido pela prefeitura, que diz ter iniciado programa de manutenção

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Não fossem classificadas como erros grosseiros de engenharia, as fendas que se multiplicam na ciclovia da avenida Eliseu de Almeida (zona oeste da cidade de São Paulo) poderiam ser chamadas de armadilhas contra ciclistas.

As rachaduras longitudinais, de dimensões perfeitas para engolir pneus de bicicletas, ficam camufladas nas juntas de dilatação do tamponamento do córrego Pirajuçara (canalizado sob a avenida) e já causaram acidentes em um incontável número de ciclistas, alguns com lesões graves nos ossos da face e do crânio.

Bicicleta é engolida por fenda provocada por erro de projeto na ciclovia da avenida Eliseu de Almeida - Lucio Mauro Dedubiani

Os primeiros casos datam de 2016, mas, segundo relatos de usuários da ciclovia, foi a partir de 2019 que os defeitos no pavimento passaram a se multiplicar mais rapidamente, época que a Prefeitura de São Paulo começou a receber frequentes alertas sobre acidentes causados pelo problema na região, através da Central SP 156 (serviço de atendimento ao cidadão) e da CET (Companhia de Engenharia e Tráfego).

Também não faltaram alertas dados por reportagens dos principais veículos de imprensa, como fez a Folha em 19 de setembro de 2019, ao contar o caso do radialista Bruno Guedes, que teve três dentes quebrados e lesão na mão esquerda após uma dessas fendas engolir a roda dianteira de sua bicicleta. Na época a reportagem ouviu relatos de que o aparecimento das fendas já eram um problema recorrente.

O caso mais recente foi registrado na quarta-feira (15), com a queda da tapeceira Cristiana da Silva de Oliveira, de 48 anos, que assim como Guedes também perdeu três dentes: "Não deu para ver o buraco e não tive tempo de reagir. A bicicleta travou e fui jogada de cara no chão", disse Oliveira na tarde de sexta-feira (17), logo após deixar a subprefeitura do Butantã, onde foi pedir auxílio para o tratamento das lesões causadas na boca, no olho direito, braços e pernas.

A tapeceira Cristiana da Silva de Oliveira perdeu três dentes e teve várias lesões no rosto, braços e pernas após cair em uma das fendas da ciclovia Eliseu de Almeida

O caso da tapeceira despertou comoção nas redes sociais, e diversos outros ciclistas passaram a relatar experiências trágicas envolvendo o erro de projeto e as falhas de manutenção da ciclovia Eliseu de Almeida, uma das mais movimentadas da cidade de São Paulo.

"Já cansei de protocolar reclamações sobre esse problema na prefeitura. O último protocolo, inclusive, foi exatamente sobre essa fenda onde a moça caiu na quarta-feira e perdeu os dentes", disse a enfermeira Simone Penninck, moradora da Vila Sônia e usuária frequente daquela ciclovia.

"Eles já estão acostumados [com as reclamações]. Assim que a gente avisa do aparecimento de um novo buraco a prefeitura envia uma equipe para fazer o reparo. Mas em 3 ou 4 dias o remendo cede e o buraco volta", lamentou Penninck.

Além das reclamações —já são 12 protocoladas, sendo que a primeira foi feita em 2019—, Penninck conta que levou o problema para discussão direta com técnicos da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) durante diversas reuniões da Câmara Temática da Bicicleta (espaço onde representantes da prefeitura dialogam com ciclistas), mas nenhuma solução mais adequada foi apresentada pelo órgão municipal.

"Não precisa ser engenheiro para saber que vai dar ruim. Tinham que reformar o piso para mudar a direção das juntas de dilatação, colocá-las perpendiculares ao fluxo das bicicletas", disse o artista visual Lucio Mauro Dedubiani, de 47 anos, que há 3 meses caiu em uma das fendas e teve fraturas no maxilar e no zigomático (osso da cavidade ocular). Dedubiani precisou passar por cirurgia e ficou 2 meses e meio impossibilitado de cuidar do filho autista e de trabalhar. "Ainda sinto fortes dores por todo o corpo", reclamou.

O artista visual Lucio Mauro Dedubiani, que teve múltiplas fraturas na face após cair em uma das fendas provocadas por erro de projeto na ciclovia Eliseu de Almeida - Lucio Mauro Dedubiani

De acordo com análise feita pelo coletivo Bike Zona Oeste, as fendas se formam em quase todas as juntas de dilatação das tampas de acesso ao córrego, que se repetem a cada 200 metros, por toda a extensão da ciclovia, que tem 5,2 km.

"Foi um erro de projeto ridículo. Colocaram essas estruturas com as fendas paralelas ao caminho que já estava planejado para ser ciclovia muito tempo antes. Não levaram em consideração o trajeto dos ciclistas, erro que também acontece com bocas de lobo (bueiros) que têm frestas paralelas ao trajeto dos ciclistas. Se as frestas fossem construídas na perpendicular, não teria esse problema", disse o geólogo Sasha Tom Hart.

Na sexta-feira, a Prefeitura de São Paulo emitiu uma nota semelhante à emitida 4 anos atrás, quando os casos das fendas se tornaram notórios. Entre outros apontamentos, a nota da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) diz: "A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito, esclarece que deu início ao programa de manutenção permanente da malha cicloviária com o objetivo de prolongar a vida útil das estruturas da rede existente, garantindo a regularidade das características técnicas, estruturais e da sinalização, proporcionando conforto e segurança a quem pedala". A nota continua com uma lista de prioridades, entre elas as melhorias da ciclovia da avenida Eliseu de Almeida.

Questionada se está prestando alguma assistência aos ciclistas acidentados, a Prefeitura de São Paulo não respondeu.

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