Ciclocosmo

Um blog para quem ama bicicletas

Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli

Lula sanciona lei que amplia participação popular no planejamento cicloviário

Especialista aponta que cenário brasileiro de políticas cicloviárias ainda é 'extremamente tímido'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou na última quinta-feira (23), uma lei que prevê maior participação popular nos processos de implantação de infraestruturas cicloviárias realizadas com recursos públicos. A medida também determina a inclusão dos modais não motorizados nos projetos de ampliação do território urbano dos municípios.

A nova lei, que entrará em vigor em 20 de maio de 2024, altera partes do Programa Bicicleta Brasil e do Estatuto da Cidade para garantir e promover o desenvolvimento do ciclismo como forma de transporte integrado ao sistema de mobilidade urbana.

O presidente Lula durante reunião no Palácio do Planalto, na quinta-feira (23) - Pedro Ladeira/Folhapress

O texto inclui nas leis já vigentes a obrigação de se realizar audiências públicas como parte do processo de planejamento e implantação de estruturas cicloviárias, o que traz maior possibilidade de sucesso nas decisões sobre formato, localização, traçado e sinalização, mas que, sob o ponto de vista de especialistas, ainda não trará vigor suficiente para superar os entraves impostos por um sistema que culturalmente ainda privilegia o transporte motorizado.

A nova lei não revolveu o dispositivo que destinava 15% da receita de arrecadação das multas de trânsito ao Programa Bicicleta Brasil, vetado em 2018 pelo então presidente Michel Temer (MDB).

Análise

Para entender melhor os impactos da nova lei, o Ciclocosmo convidou a arquiteta e urbanista Suzana Leite Nogueira, especialista em mobilidade sustentável com importante participação no planejamento cicloviário de cidades como São Paulo, Fortaleza e Diadema.

Suzana, você acompanhou o processo de elaboração da lei 14.729, de 23 de novembro de 2023 (que altera o Programa Bicicleta Brasil, de 2018 e o Estatuto da Cidade, de 2001)? Teve alguma participação ou auxiliou na elaboração de alguma forma? Em relação à minha participação, fiz contribuições e incidência para a aprovação da lei em 2018, que instituía o Programa Bicicleta Brasil, participando como integrante da UCB (União de Ciclistas do Brasil). Na sequência deste processo, participei da elaboração da Estratégia Nacional da Bicicleta, que seria um documento orientador da Política Cicloviária, mas desconhecia esta alteração efetivada na lei recentemente promulgada.

Em seu ponto de vista, quais os benefícios ou prejuízos que essas alterações trazem para a sociedade? Em relação às alterações da vigente lei, vale uma consideração inicial sobre os instrumentos legais de referência: após o Estatuto da Cidade, o Brasil tem um instrumento específico que orienta a PNMU (Política Nacional de Mobilidade Urbana), que não está indicada na lei, o que prejudica a visão integrada da bicicleta no sistema de mobilidade, e que prevê instrumentos de participação social. Portanto, neste sentido, a inclusão propositiva da participação social reforça a indicação da PNMU. Entretanto, a obrigação de audiências públicas, pensando num cenário extremamente tímido que temos ainda sobre o desenvolvimento de políticas cicloviárias nas cidades brasileiras, poderá ser um elemento limitador para o avanço da segurança do uso de bicicleta nas cidades, e não uma medida de estímulo para promoção do modal.

Qual sua opinião sobre o veto de 2018 [inalterado por Lula na nova lei], que retirou a destinação de 15% da arrecadação com multas de trânsito para o Programa Bicicleta Brasil? O veto que propunha uma fonte de recursos permanente para o investimento de políticas de promoção do modal foi, sem dúvida, um dos fatores que impediu, e continua a impedir que os municípios consigam efetivar intervenções físicas e ações de promoção para o uso da bicicleta. A União dos Ciclistas do Brasil e outras organizações já realizaram estudos para avaliar recursos necessários para o Brasil avançar no tema, mas nem na presente lei, nem em outras discussões de planos e programas de mobilidade houve, até o presente momento, um avanço positivo sobre o tema.

A arquiteta e urbanista Suzana Leite Nogueira, especialista em mobilidade sustentável - Arquivo Pessoal

Experiências em São Paulo

Vale lembrar que tanto a cidade quanto o estado de São Paulo já contam com longa experiência de participação social nas políticas de inclusão da bicicleta. Tanto a Câmara Temática da Bicicleta, no âmbito municipal, quanto o Ciclo Comitê Paulista, no âmbito estadual, são ambientes criados para reunir representantes do poder público com lideranças da comunidade de ciclistas.

Esses mecanismos permitiram avanços e evitaram alguns retrocessos, como por exemplo a tentativa da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) de estreitar a ciclofaixa da avenida Rebouças, barrada pela mobilização cicloativista.

Contudo, na análise de membros desses comitês, as audiências promovidas com o objetivo de agregar as demandas sociais são muitas vezes usadas pelo poder público de forma antagônica, para atrasar os projetos cicloviários —fato que, ainda de acordo com membros desses comitês, não se repete quando o projeto prioriza obras para o transporte motorizado.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.