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Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli
Descrição de chapéu trânsito

Mortes no trânsito de São Paulo disparam nos 5 primeiros meses do ano

Aumento da letalidade é maior entre motociclistas; prefeitura diz trabalhar as políticas públicas voltadas à segurança viária

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O número de mortes causadas pelo trânsito da cidade de São Paulo segue em disparada este ano. Até maio, 411 vítimas fatais foram contabilizadas, um aumento de 23% em relação às 334 mortes no mesmo período do ano passado.

O resultado é o maior para os 5 primeiros meses do ano desde a estreia do Infosiga, em 2015, quando o sistema estatístico do governo estadual registrou 493 mortos pelo trânsito da capital no período.

Porsche azul ficou com dianteira destruída após colisão com Sandero na avenida Salim Maluf, em São Paulo
Porsche do empresário Fernando Sastre de Andrade Filho, após acidente que causou a morte do motorista de aplicativo Ornaldo Silva Viana, 52, na zona leste de São Paulo - Divulgação/Polícia Civil

Só no mês passado foram 94 casos, um aumento de 49% em comparação às 63 mortes relatadas em maio de 2023.

Ao separar as mortes por tipo de veículo, os motociclistas são os mais atingidos: 186 mortos entre janeiro e maio, crescimento de 34,7% sobre o ano passado (138 mortes).

MORTES NA FAIXA AZUL

Curiosamente, o avanço da letalidade coincide com o período de rápida expansão da faixa azul para motocicletas, medida criada pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) para tentar frear a violência do trânsito contra motociclistas.

Segundo o site da prefeitura, a faixa azul é uma sinalização de segurança para as motocicletas, criada "para que, em tráfego congestionado, as motos possam transitar com mais disciplina, de forma segura e consciente e sem alterar a dinâmica já existente na via".

Após o primeiro ano de testes, iniciado em janeiro de 2022, com 5,5 km na avenida 23 de Maio, o Projeto Faixa Azul foi rapidamente expandido, e deve alcançar 145 km de extensão até o fim de junho. A sinalização, que não está prevista no Código Nacional de Trânsito e vem sendo tratada como projeto experimental junto à Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito), pode chegar a 200 km até o fim deste ano, disse a prefeitura.

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Motociclistas circulam pela faixa azul da avenida 23 de Maio, na zona sul de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

Desconfiado da eficiência e das estatísticas apresentadas pela prefeitura para a nova sinalização —que até abril destacava zero mortes na faixa azul—, o publicitário e conselheiro municipal de trânsito George Queiroz iniciou um processo independente de investigação, levado a cabo pelo jornalista Rogério Viduedo. "Depois de localizarmos no Infosiga um óbito na avenida dos Bandeirantes, em março, o Rogério, do Jornal Bicicleta, foi a campo e confirmou. A prefeitura nunca tinha admitido [a morte do motociclista]", disse Queiroz.

Desde a iniciativa da dupla, a gestão Nunes passou a contabilizar 4 mortes na faixa azul.

Queiroz, que continuou debruçado sobre os dados do Infosiga, afirma ter encontrado dados que comprovam "muito mais" casos de acidentes fatais ocorridos dentro da nova sinalização. "Mas a falácia da morte zero na faixa azul finalmente foi desmentida oficialmente", disse.

Na opinião do pesquisador Guilherme Moraes, Mestre em Políticas Públicas pela FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), falta interesse da prefeitura para tomar medidas que tornem o trânsito mais seguro. "Pouco adianta todo o arcabouço técnico que a prefeitura tem, se no fim da linha quem decide é o prefeito, de acordo com seus compromissos eleitorais".

Moraes cita a decisão da atual gestão de interromper, em 2021, a publicação do Relatório Anual de Sinistros de Trânsito, organizado pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) desde 2012. Em sua avaliação, o relatório era mais adequado que o Infosiga para contextualizar os sinistros no âmbito municipal, pois era capaz de identificar a relação das mortes com as estratégias da prefeitura. "Revelar esses dados, que mostram que algumas políticas públicas não estão dando certo, tem um custo político que a prefeitura não quer arcar", disse.

MORTES DE PEDESTRES E CICLISTAS

Depois dos motociclistas, o grupo dos pedestres é o que mais enche as estatísticas do último relatório Infosiga: 146 mortos até maio, alta de 20,6% sobre o ano passado, seguido dos ciclistas, com 17 mortes, alta de 21,5%.

Para o pesquisador da USP, chama a atenção a falta de equilíbrio entre os gastos municipais para garantir a circulação de carros (mais de R$ 1 bi gastos no último ano com recapeamento de vias), e os gastos com a expansão da malha cicloviária, que avançou menos de 50 km na atual gestão, apesar de ser, ao lado do transporte coletivo, política prioritária no Plano de Mobilidade Urbana.

Moraes ainda questiona a falta de medidas aplicadas após as mortes de ciclistas na cidade, como o ciclo-entregador Claudemir Kauã, atropelado em 2022, aos 17 anos de idade, e da cientista social Marina Harkot, atropelada em 2020, aos 28 anos de idade.

ciclistas de mochila observam manifestação
Cicloentregadores instalam uma 'ghost bike' no local onde Claudemir Kauã foi atropelado e morto pelo empresário Rafael Mauricio Soares Diniz, no Butantã, zona oeste de São Paulo - Bike Zona Oeste

"Desde novembro de 2020, quando aconteceu o homicídio da Marina, não foi feita nenhuma alteração urbana, nenhum estudo, nenhuma medida concreta [na avenida Paulo 6º, local da ocorrência]. Ou seja, a decisão política é muito diferente da indicação técnica", diz Moraes ao argumentar que a atual gestão da Prefeitura de São Paulo subutiliza suas normas técnicas e até leis, como o PlanMob SP, que preconiza a redução da circulação de automóveis.

Segundo ele, o mesmo se deu após a morte de Kauã. O local onde o jovem foi atropelado, na altura do número 1.800 da avenida Corifeu de Azevedo Marques (zona oeste), até hoje não recebeu estrutura cicloviária, mesmo com o comprovado alto fluxo de ciclistas da região.

QUEDA NAS MORTES DE OCUPANTES DE CARROS

O grupo de ocupantes de carros foi o único que teve queda nos óbitos, redução de 8,5% na comparação dos 5 primeiros meses de 2023 e 2024 (51 a 47).

O QUE A PREFEITURA DIZ

Questionada sobre a interrupção da publicação do Relatório Anual de Sinistros de Trânsito, a prefeitura disse por nota que a CET trabalhou em conjunto com o Detran, do governo estadual, na unificação das metodologias estatísticas de sinistros de trânsito por meio da nova plataforma do sistema Infosiga.

Sobre as mortes na faixa azul, a gestão esclarece que as informações sobre os óbitos registrados até o momento estão sendo inseridos nos próximos relatórios que serão enviados à Senatran.

Quanto à malha cicloviária paulistana, a gestão diz ter alcançado 741 km de extensão em junho, "a maior do país". A prefeitura indica ainda 120 km a serem implantados através do modelo de parceria público-privada, e uma concorrência para mais 158 km em andamento. Sobre as melhorias no trecho da avenida Corifeu de Azevedo Marques, local onde Claudemir Kauã morreu atropelado, há uma estrutura cicloviária em implantação, disse a nota. No caso da avenida Paulo 6º, a via "tem velocidade limitada a 50 km/h e possui equipamento de fiscalização eletrônica próximo ao local em que a ciclista Marina Harkot foi atingida, em ambos os sentidos. A via passou por revitalização da sinalização horizontal, pela última vez, em 2023. Houve também serviços de implantação de gradis e atualização das placas de regulamentação".

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