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Radioatividade, o relógio das rochas

Como minerais nos permitiram descobrir a idade da Terra

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Fabrício Caxito

Desde os primórdios da humanidade nós nos perguntamos se a Terra tem um princípio e um fim – e, em caso positivo, quando foi e quando será. A pergunta permaneceu no campo filosófico por muito tempo, desde Aristóteles até James Hutton, o geólogo inglês que em 1788 viria a escrever que o planeta não tem "nem vestígio de um começo, nem perspectiva de um fim..."

Mas os cientistas são teimosos e continuaram a investigar. No século 19, foram realizadas diversas tentativas de estabelecer a idade da Terra em números absolutos. Sabe-se há muito que desde sua formação o planeta está esfriando. Sir William Thomson, conhecido como lord Kelvin, um dos mais respeitados cientistas de sua época, calculou o tempo que levaria para que a Terra esfriasse desde que fora uma bola de fogo incandescente até o estado atual, e chegou a números entre 20 e 40 milhões de anos. Para aqueles que conheciam o registro natural, porém, tais cifras eram muito modestas, sobretudo à luz da recém-proposta teoria da evolução de Darwin (que chegou, ele próprio, a calcular números em torno de 300 milhões de anos usando taxas estimadas de erosão do relevo). Por que os cálculos de Kelvin estariam errados?

Arte ilustra seis peças que remetem a minerais, elas estão sob um fundo azul e púrpura.
Ilustração: Joana Lavôr - Instituto Serrapilheira

Em 1885, o físico alemão Wilhelm Roentgen apresentou ao mundo a primeira radiografia. Vários cientistas se dedicaram a entender a causa e a natureza desse fenômeno, dentre eles o físico francês Antoine-Henri Becquerel, cuja hipótese era testar se a fluorescência emitida por alguns minerais expostos ao sol, como sais de urânio, produzia o mesmo efeito dos raios X numa chapa fotográfica. O mau tempo em Paris em fevereiro de 1896 frustrou seus planos. Ele embrulhou os sais de urânio num pano preto, junto com as placas fotográficas e a cruz de metal que pretendia radiografar, e os deixou na gaveta.

Dias depois, constatou que, mesmo cobertos, os sais de urânio produziram uma radiografia da cruz de metal na chapa. A radioatividade acabava de ser descoberta "por acaso" – na ciência, assim como na vida, a sorte não costuma favorecer aqueles que já não estão preparados para ela. Em 1903, Henri Becquerel e Marie Curie e Pierre Curie dividiram o prêmio Nobel de física pela descoberta. Marie Curie cunhou o termo radioatividade, além de descobrir dois novos elementos, o rádio e o polônio, e ser a primeira pessoa a ganhar dois prêmios Nobel.

A descoberta da radioatividade abriu os olhos dos cientistas para uma fonte de energia espontânea e natural, pois o decaimento radioativo de elementos como o urânio envolve a transformação de massa em energia. Os cálculos de lord Kelvin não levavam em conta o calor constantemente produzido pelo decaimento de uma quantidade enorme de átomos de elementos como urânio e potássio dentro da crosta terrestre. Ou seja, não podemos calcular o tempo de resfriamento da Terra porque o decaimento radioativo dos elementos faz com que ela seja constantemente reaquecida.

Este foi apenas o primeiro coelho que a descoberta da radioatividade tirou da cartola. A correspondência trocada entre os físicos Ernest Rutherford e Frederick Soddy, um trabalhando no Canadá e outro na Escócia, é enriquecedora por nos proporcionar uma visão clara do espírito da época. Em uma das cartas, ao descrever a transformação natural de um elemento radioativo em outro mais estável, com emissão de energia no processo, Soddy diz: "Rutherford, isso é transmutação!". Ao que o interlocutor responde: "Pelo amor de Deus, Soddy, não chame de transmutação. Vão cortar nossa cabeça como alquimistas!"

Em 1904, Rutherford foi apresentar suas descobertas na Royal Institution, a meca das ciências em Londres: "Entrei e logo vi lord Kelvin na plateia; percebi que estaria em apuros na última parte da palestra, quando falaria da idade da Terra". Ele tinha 35 anos. Sabia que Kelvin era então o cientista mais respeitado, e que não seria fácil peitar a autoridade de seus 81 anos. "Para meu alívio, ele rapidamente caiu no sono", Rutherford escreve. E então, no final, quando o ancião acordava, "uma súbita inspiração me veio, e eu disse que lord Kelvin havia limitado a idade da Terra ‘desde que’ nenhuma nova fonte de calor fosse descoberta. ‘Essa profética enunciação se refere ao que estamos considerando hoje, o rádio! Contemplem!’. E o velho sorriu pra mim...".

Rutherford e Soddy descobriram não só que um elemento se transforma em outro naturalmente, mas também que esta transformação ocorre a taxas fixas na natureza. Medindo, por exemplo, a quantidade de urânio (o elemento radioativo) e de chumbo (o elemento estável em que ele se transforma naturalmente) em uma rocha ou mineral, e conhecendo a taxa com a qual o urânio se transforma em chumbo naturalmente, é possível calcular quanto tempo se passou desde que este mineral ou rocha se formou na superfície da Terra.

A partir daí, foi apenas uma questão de desenvolvimento tecnológico até que se criassem equipamentos para medir esses elementos em concentrações muito pequenas. Em 1956, o geoquímico Claire "Pat" Paterson, de Chicago, apresentou a primeira idade de meteoritos e da Terra, calculada por meio das quantidades de urânio e chumbo em amostras de rocha, e finalmente resolveu a questão do vestígio de um começo, há 4,55 bilhões de anos. Desde então, diversos outros métodos utilizando sistemas radiogênicos foram desenvolvidos.

Equipamentos capazes de medir potássio e argônio, respectivamente pai e filho no decaimento radioativo, chegaram ao espaço: a sonda Curiosity, lançada pela NASA em novembro de 2011, comporta uma unidade do tamanho de um micro-ondas que consegue coletar amostras de rocha e solo e realizar sua datação diretamente na superfície de Marte. Em 2014, foram publicadas as primeiras datações feitas completamente fora da Terra, de rochas de cerca de 4,2 bilhões de anos da cratera Gale, que foram depositadas no fundo de um lago, indicando que o planeta vermelho continha água livre nessa época – e provavelmente era muito mais parecido com o nosso.

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Fabrício Caxito é professor de geologia, pesquisador principal no projeto GeoLife MOBILE e filósofo pela UFMG. ​

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