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Descrição de chapéu Tragédia em Capitólio

A queda do paredão em Capitólio era uma questão de tempo

Desabamento pode parecer aleatório, mas para geocientistas não é

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Pedro Val

No último dia 9 de janeiro, as imagens do desabamento de um bloco enorme de rocha no lago de Furnas, em Capitólio, que tirou vidas e feriu gravemente várias pessoas, chocaram o Brasil e o mundo.

Grandes paredões rochosos que parecem não sofrer alterações ao longo de décadas nos dão a falsa impressão de eternidade e imutabilidade do mundo natural. Nesta ótica, o que ocorreu em Minas Gerais pode parecer um evento raro, catastrófico e, portanto, inexplicável. Se é inexplicável por raciocínio científico e lógico, é, portanto, imprevisível — um evento cisne negro, como diriam matemáticos. Não é o caso.

Arte ilustra blocos amarelos com uma fenda azul que remetem ao paredão que desabou no lago de Furnas, em Capitólio (MG)
Ilustração Lívia Serri Francoio - Instituto Serrapilheira

O meio físico evolui em escalas de tempo muito mais longas que a nossa existência. Em termos gerais, paisagens e todos os seus componentes físicos sempre sofrem alterações, algumas mais rápidas e outras mais lentas, algumas contínuas e outras intervaladas.

Mudanças contínuas acontecem nas elevações das superfícies de paisagens brasileiras em velocidades milimétricas ao longo de centênios e milênios. Para nós, humanos, isso pode ser insignificante, mas milímetros após milímetros ao longo de milhares de anos se tornam metros, e metros se tornam quilômetros.

O paredão de Furnas tinha dezenas de metros e bastaram alguns segundos para ele cair. Seria, então, um evento aleatório e, ainda assim, imprevisível? Também não.

Eventos como esse possuem probabilidades quantificáveis. Como muitos outros processos recorrentes (terremotos, deslizamentos de terra, cheias, tempestades), quanto maior a magnitude do evento, maior o tempo entre cada ocorrência. Assim, a recorrência de tombamentos em paredões como os de Capitólio provavelmente depende do tamanho do bloco rochoso. Nos penhascos, fragmentos microscópicos de rocha podem se desprender diariamente da rocha e levar milênios para causar recuo dos paredões. Por outro lado, blocos de dezenas de metros podem se descolar e cair, porém estes episódios só ocorrem em escalas de tempo mais longas — anos, décadas, talvez centênios ou até milênios.

Ambos os processos (contínuos e intervalados) se dão ao mesmo tempo e fazem parte de um espectro de recorrência de eventos de diferentes magnitudes, cada qual com a sua probabilidade de ocorrência.

O desabamento era, portanto, esperado. Afinal, são os desabamentos que governam a largura dos cânions de Furnas, tornando-os cada vez mais largos ao longo de milênios. O tipo de rocha, sua rede de fraturas internas e naturais, a percolação da água da chuva, o aumento do volume água nos poros da rocha, as reações químicas entre essa água e os minerais da rocha, a profundidade do cânion e a própria gravidade controlam os desabamentos. Geocientistas sabem disso. O que não sabemos é a frequência com que paredões daquela proporção caem, qual é a relação com o clima e com a quantidade e densidade de fraturas, se há influência humana, qual é a proporção de importância entre estes fatores etc. Não sabemos o quanto deveríamos. Se houver qualquer relação com o clima, o desconhecimento custará ainda mais caro, pois as mudanças climáticas podem acelerar este processo, assim como o fazem com muitos outros.

A boa notícia é que temos ferramentas científicas avançadas e profissionais capacitados para quantificar o fenômeno e, assim, contribuir para a criação de um turismo ecogeológico mais seguro.

Quedas como aquela não são imprevisíveis. Com as técnicas adequadas, podemos mensurar a recorrência de eventos em escalas de tempo muito maiores que a de nossa existência e, assim, entender o processo natural; conhecendo as relações de causa e efeito, podemos fazer um prognóstico de eventos futuros. No curto prazo, engenheiros e geocientistas podem monitorar fraturas, detectar movimentos milimétricos, calcular cenários de risco, projetar obras de contenção etc. Sobretudo, é imprescindível o mapeamento das zonas de risco nestes cânions. Nenhum turismo ecogeológico responsável deve ser feito desconhecendo-se o risco. É necessário respeitar o meio natural.

Portanto, o que nos falta é pôr em prática os métodos científicos apropriados, neste e em muitos outros processos na superfície das paisagens brasileiras. Isto requer investimento em ciência, nos órgãos ambientais e, sobretudo, demanda especialistas, tudo o que anda sendo ameaçado no Brasil. Num contexto em que ano após ano, secas, enchentes, deslizamentos de terra, incêndios florestais, tempestades assolam o país e ficam cada vez mais frequentes e extremos, não saber não pode ser opção. A ciência já produziu muito conhecimento e pode ajudar. Pagar pelo saber sairá mais barato do que pagar para ver.

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Pedro Val é geólogo e professor na Universidade Federal de Ouro Preto.

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