Ciência Fundamental

O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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A ciência acontece em todo lugar

Na oceanografia, dados podem ser coletados em conversa à beira-mar com pescadores

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Renata Nagai

Você já clicou a palavra "cientista" na internet, selecionando apenas as imagens? Com base em nosso histórico de buscas, os algoritmos vão fornecer determinadas imagens, ou seja, as que vão aparecer para mim decerto não serão exatamente as mesmas que vão pipocar na tela de um vizinho meu. Independente disso, porém, aposto que todos veremos homens, sobretudo, ou mulheres, brancos em sua maioria, de óculos e avental de manga comprida. E mais: em boa parte das figuras haverá tubos de ensaios e pipetas com líquidos coloridos. No meu caso (e no de muitos outros colegas), a rotina pode ser bastante diferente.

O imaginário das pessoas está povoado de imagens como essas para representar um cientista. Em 2019, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos realizaram a quinta rodada da pesquisa "Percepção pública da ciência e tecnologia no Brasil". Os resultados não são muito animadores. Ainda que 62% dos entrevistados declarem se interessar por assuntos relacionados à ciência e à tecnologia, o acesso à informação produzida pela ciência brasileira deixa muito a desejar, tanto que somente 10% dos participantes da enquete souberam apontar nomes de cientistas, enquanto apenas 12% puderam indicar nomes de instituições científicas do país.

Arte ilustra duas pessoas em um pequeno barco flutuando sobre um rio. É possível ver peixes embaixo da água. Em primeiro plano há galhos de árvore.
Ilustração: Valentina Fraiz - Instituto Serrapilheira

Avançamos bastante nos últimos três anos. A pandemia aproximou da sociedade uma parcela da comunidade científica, e diferentes iniciativas mostraram a diversidade de pessoas que fazem ciência, se bem que tal diversidade ainda é insuficiente: ela precisa ser ampliada e mais equalitária. Mas perdura a ideia de que ciência se faz em laboratórios altamente especializados. Ou seja: a ciência estaria distante da realidade da maioria das pessoas. É verdade que muitos cientistas trabalham nesses espaços fechados e controlados. Mas eles também frequentam ambientes os mais variados, do interior de cavernas ao fundo dos oceanos – este último, meu caso.

Mas como é, na prática, o dia a dia desses cientistas de fora dos laboratórios? Diferentes áreas do conhecimento demandam diferentes estratégias para obtenção e análise de dados. A ciência oceânica, por exemplo, muitas vezes coleta amostras e dados em zonas submersas de regiões costeiras e marinhas, às quais se tem acesso por meio de embarcações de tamanhos variados — desde pequenos barcos que permitem explorar baixios alagadiços, a enormes navios que possibilitam alcançar zonas mais profundas do oceano.

As embarcações funcionam como verdadeiros laboratórios flutuantes, e às vezes chegam a dispor de equipamentos analíticos de ponta. Nas campanhas de coleta de material, chamadas expedições oceanográficas, os cientistas passam dias, semanas ou até meses a bordo. A rotina de trabalho a bordo difere daquela que levamos em terra firme. No convés, aventais e óculos de proteção dão lugar a coletes salva-vidas e óculos de sol; no laboratório da embarcação, equipamentos e reagentes ficam atados por cabos, para não sucumbir ao balanço do mar. O alto custo das expedições oceanográficas significa que não se pode desperdiçar um minuto, daí as atividades ocorrem 24 horas por dia (evidentemente respeitando sempre o ritmo do oceano, a altura das ondas, a intensidade e a direção do vento).

As embarcações, no entanto, não são cruciais para toda ciência oceânica, que também pode ser realizada em regiões costeiras emersas, como praias e florestas de manguezal, somente com o auxílio de um computador que analisa dados mensurados via satélite ou avalia modelos matemáticos. Amostras e dados podem ser coletados em peixarias, numa conversa à beira d'água com comunidades de pescadores, em reuniões com tomadores de decisão a milhares de quilômetros da linha de costa e até mesmo em bibliotecas, recuperando documentos históricos como artigos de jornais e fotografias aéreas.

Recentemente, enquanto procurava por conchas na areia com meu sobrinho, me chamou a atenção a quantidade de microplásticos presentes. Essa observação, feita num momento recreativo à beira-mar, me incentivou a abrir uma nova linha de pesquisa no laboratório.

A diversidade de ambientes propícios à pesquisa oceânica reflete a diversidade de ambientes em que a ciência pode acontecer. Ela acontece em todos os lugares.

*

Renata Nagai é oceanógrafa e professora na Universidade Federal do Paraná. O texto homenageia o Dia Mundial dos Oceanos, celebrado em 8 de junho.

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