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O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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Transformando o mundo em modelos

A bióloga Karen Abbott encontrou na matemática uma forma de explicar padrões ecológicos

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Pedro Lira

A matemática foi descoberta ou inventada? Alguns dizem que ela está em tudo — na música, nas artes plásticas, na natureza —, enquanto outros sustentam que se trata de um conjunto de conceitos criados por nosso cérebro. A bióloga Karen Abbott, que se serve da matemática para explicar padrões ecológicos de diferentes espécies, é partidária dessa segunda corrente. "Não acredito que a matemática esteja presente no mundo natural, mas podemos usá-la para responder perguntas sobre a natureza." Seja a matemática uma linguagem do universo ou uma teoria humana, desde 3.500 a.C suas ferramentas se prestam a explicar o mundo real "bagunçado e confuso". "Fica mais fácil", ela afirma.

Pode até ser fácil para uma doutora em biologia matemática, professora da Case Western Reserve University, nos EUA. Mas é complexo para quem não tem um pensamento tão interdisciplinar. Abbott atua na parte teórica da ecologia de populações e comunidades, e emprega modelos de interações de espécies para entender por que elas ocorrem onde ocorrem e o que faz com que sua afluência varie ao longo do tempo. "Eu investigo a base teórica de padrões em larga escala: como as espécies e organismos interagem entre si e os impactos disso no ecossistema", explica.

Arte ilustra abelhas formando um círculo
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

A ecologia de populações é uma subárea que estuda animais e plantas e busca compreender o que molda essas populações – por que elas são abundantes ou raras em certas localizações. Já a ecologia de comunidades dá um passo além, debruçando-se sobre as interações dessas diferentes espécies para entender o que molda a biodiversidade em determinadas áreas. "Por que algumas espécies são comuns em uns lugares e não em outros, e como outras espécies interferem nesse cenário?", ela diz.

Mas, apesar de entender tanto de animais e plantas, o interesse de Abbott está mais nos números. "Mais do que nas espécies em si, minha curiosidade reside nos padrões que aplicamos a elas. Ou seja: nas regras que determinam onde elas podem viver e ser abundantes", diz. Talvez isso explique por que a professora não perde o sono com uma questão complexa da ecologia: o impacto humano no meio ambiente. "Muitos ecólogos consideram a humanidade nas interações ecológicas. Eu prefiro evitá-la," observa.

Por exemplo: Abbott estuda animais polinizadores, como abelhas, e é inegável que esse grupo possui hoje uma população menor do que cem anos atrás devido à ação humana. Mas como a cientista se limita a analisar o estado das coisas no presente, esse impacto antrópico pode ser desconsiderado enquanto ele for relativamente constante no tempo e espaço analisados nos modelos.

Abbot também se vale de ferramentas matemáticas para desenvolver novos entendimentos biológicos. Em seus estudos, ela identifica fenômenos naturais que não são totalmente explicados pela teoria ecológica existente e investiga como novos modelos podem melhorar nossa compreensão desses fenômenos. "Podemos olhar para a natureza e detectar suas regras e padrões. Mas sempre existe um grau de aleatoriedade que as regras não conseguem prever. É aí que falha o nosso entendimento teórico da ecologia de sistemas." Ou seja, a ciência sabe que a aleatoriedade existe, mas ainda não consegue prevê-la de forma efetiva. "O que faço é tentar descobrir pequenas atualizações para nossa compreensão do mundo," ela explica.

Homenageada em 2022 com o Prêmio John S. Diekhoff por Orientação de Pós-Graduação, Abbott é querida pelos alunos na Western Cave University. Sua pesquisa interdisciplinar atrai pesquisadores de diferentes formações, aos quais dispensa um tratamento de igual para igual, não como se se dirigisse a pupilos. "Isso faz com que eles pensem e trabalhem em alto nível", diz.

Manter o nível elevado dos estudantes é uma missão pessoal da bióloga. Ela aposta que as soluções criativas para os problemas do mundo virão do pensamento interdisciplinar, incluindo ciências sociais e humanas, e essa nova geração está mais preparada para este desafio do que as anteriores. "Nós, como educadores e sociedade, estamos fazendo um trabalho muito bom em ajudar os jovens a pensar fora da caixa. Eles não se veem circunscritos a áreas, como ocorreu com as últimas gerações," diz ela.

Em visita ao Brasil para dar aulas a futuros cientistas no curso de Formação em Ecologia Quantitativa oferecido pelo Instituto Serrapilheira e o Instituto Sul-Americano para Pesquisa Fundamental (ICTP-SAIFR), Abbott sentiu alívio ao confirmar que a comunidade científica brasileira está engajada na defesa da Amazônia. "É um lugar único no mundo. Ter cientistas da América Latina investindo em entender ao máximo essa floresta é fundamental. Como preservá-la e, ao mesmo tempo, gerar desenvolvimento sustentável é mais um problema que podemos transformar em matemática, encontrar soluções e trazer o conhecimento de volta ao mundo real", conclui.

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Pedro Lira é jornalista no Instituto Serrapilheira.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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