Ciência Fundamental

O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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Descrição de chapéu mudança climática chuva

Quando perceberemos que o "novo normal" das mudanças climáticas chegou?

Chuvas como as de São Sebastião vão acontecer cada vez mais, e o Brasil ainda não está preparado para isso

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Meghie Rodrigues

Em meio ao último Carnaval, o Brasil assistiu estarrecido à tragédia que matou 65 pessoas e afetou outros milhares no Litoral Norte de São Paulo. Em São Sebastião, município mais atingido, o acumulado de chuvas entre os dias 18 e 19 de fevereiro passou dos 600 mm — ou seja, choveu mais de 600 litros de água para cada metro quadrado. Agora em junho a região entrou mais uma vez em alerta para alagamentos por causa de chuvas fortes que voltaram a cair.

Não se engane: essa notícia vai se repetir de novo, e de novo, e de novo.

Arte ilustra muitos guarda-sóis abertos como numa praia lotada. uma pessoa que aparenta ser um salva-vidas está sentada numa escada amarela acima dos guarda-sóis, segurando um guarda-chuva. o céu está escuro e está chovendo.
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Esse tipo de episódio, segundo a meteorologista Izabelly Costa, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), faz parte do que os cientistas chamam de "novo normal" das alterações climáticas. Costa é chefe da Divisão de Previsão de Tempo e Clima (DIPTC) do instituto e diz que o que aconteceu em São Sebastião foi um ponto fora da curva em relação à série histórica de mais de 30 anos de chuvas que eles têm para a região — e para o Brasil. "A gente ainda não tinha visto nada daquela magnitude num período tão curto. Mas talvez esse seja um dos primeiros episódios do que nos aguarda mais para a frente," ela diz.

O Brasil ainda não está preparado para esse novo normal. Um levantamento feito pela Agência Pública mostra que, das 27 capitais, 17 não têm planos de enfrentamento das mudanças climáticas. A adaptação anda em descompasso com a urgência que o momento exige e com o conhecimento produzido pela ciência.

"Muitas cidades brasileiras têm planos de adaptação para esse 'novo normal'. Mas muitos desses planos não foram feitos por cientistas, mas por consultores ou pessoas que desconhecem a meteorologia," observa o climatologista José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). "Assim, muitas vezes esses planos não consideram as mudanças climáticas ou eventos extremos. Não é que gestores não levem a questão a sério — é que eles não têm conhecimento," diz o pesquisador.

No Brasil existem projetos em andamento com o objetivo de aprimorar a previsão de eventos extremos. Um deles é o Nowcasting, que é fruto de parceria entre o Inpe e universidades brasileiras com o objetivo de implementar e operacionalizar previsões de tempo em curto e curtíssimo prazo no país.

"Por tempo severo nós entendemos condições como chuva de mais de 40 milímetros em uma hora, pedras de granizo maiores que dois centímetros e rajadas de vento acima de 80 km/h ou que causem destruição," explica a pesquisadora. Curtíssimo prazo, no caso, significa prever o desenvolvimento e deslocamento de nuvens de tempestade com precisão com até seis horas antes que um evento extremo aconteça.

"O Nowcasting deve ser realizado para uma área pequena, devido à complexidade e quantidade de informações que devem ser consideradas, porém os critérios utilizados precisam ser padronizados. A ideia é que a partir das diretrizes elaboradas pelo Comitê Científico de Nowcasting ele possa ser implementado no país," diz Costa.

O Nowcasting é uma evolução do SOS Chuva, um projeto de pesquisa financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) com foco na previsão imediata de tempestades que funcionou em Campinas entre 2015 e 2019 — e tem um aplicativo em funcionamento até hoje. Tudo isso, diz Costa, ajuda a impulsionar uma mudança de cultura no país, visando à criação de um banco de eventos extremos amplo, padronizado e institucionalizado. Uma vez criado esse banco, os tomadores de decisão poderão planejar ações que aumentem a resiliência de cidades. O caminho até lá é longo, mas é uma questão de dar prioridade ao que é mais importante. "Esse tipo de projeto nunca tem o incentivo financeiro necessário e o banco de eventos severos que temos hoje funciona à base de voluntários," observa Costa.

E aí fica ainda maior o descompasso entre a velocidade com que o poder público age e a do avanço da produção de conhecimento.

O Nowcasting é uma novidade que pode melhorar muito o conhecimento de eventos extremos no Brasil, mas vem na esteira de um processo de previsão de tempo que já funciona e por si só já tem condições de evitar catástrofes como a vista em São Sebastião. "O que aconteceu em São Sebastião foi previsto. Mas se as pessoas recebem alerta para qualquer tipo de chuva, fica difícil acreditar que vai cair uma tempestade que pode causar catástrofe. É preciso melhorar o que queremos comunicar e como fazer isso, além de treinar a população para saber o que fazer," diz Costa.

"As cidades ficam mais vulneráveis e as unidades de defesa civil podem começar a não agir, talvez porque comecem a pensar que a previsão meteorológica e de risco de alerta não é confiável," observa Marengo.

O que aconteceu em São Sebastião marcou Izabelly Costa. "Alguns eventos extremos são mais difíceis de prever, mas desse a gente tinha uma boa previsão… No fim das contas, no Brasil ainda não estamos fazendo um bom uso das informações que já temos," desabafa. "A parte mais difícil do meu trabalho é convencer as pessoas de que o país está atrasado e precisamos correr para implementar sistemas de alta precisão para eventos extremos. Com qual objetivo? Salvar vidas," completa.

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Meghie Rodrigues é jornalista de ciência.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog

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