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Lacunas no conhecimento sobre Amazônia ameaçam sua conservação

Regiões com acesso mais difícil são menos estudadas e coincidem com locais que têm alto risco de degradação, mostra novo estudo

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Mario Moura

Cerca de mil a 10 mil espécies são perdidas por ano devido às mudanças globais. Entre os vilões dessa perda acelerada da biodiversidade estão as mudanças climáticas e a destruição de hábitats. Mas felizmente esse impacto pode ser atenuado por um planejamento estratégico de conservação.

As medidas a serem tomadas vão depender do conhecimento prévio das espécies que existem em diferentes locais. Ou seja: da mesma forma que conhecer os preços dos produtos nos ajuda a compreender a inflação, sem entender o estado atual da biodiversidade não é possível monitorar como ela está mudando ou o que está sendo perdido. Essa é uma etapa essencial em pesquisas de ecologia de comunidades.

Arte ilustra mãos erguidas ligadas a copas de árvores
Ilustração: Catarina Bessell - Instituto Serrapilheira

Como descobrir as espécies que vivem em determinados locais? Em estudos que envolvem grandes regiões, como biomas ou países inteiros, essa informação pode vir de bancos de dados online que armazenam inventários padronizados de flora ou fauna. No entanto, por mais que esses dados estejam disponíveis para muitas regiões economicamente ricas, como Estados Unidos, Europa e Austrália, ainda são vastas as áreas do planeta cuja biodiversidade está pouco representada em bancos de dados. A Amazônia brasileira, por exemplo, é uma delas.

Embora seja reconhecida como a floresta tropical mais biodiversa do mundo, a floresta amazônica é uma das menos conhecidas das Américas. Para explicar lacunas na pesquisa ecológica na Amazônia, o Consórcio Synergize grupo interdisciplinar de mais de 500 cientistas, do qual faço parte, que investiga como o impacto humano afeta a biodiversidade da Amazônia – analisou dados de quase 8 mil localidades inventariadas entre 2010 e 2020. Os resultados revelaram que 40% das áreas da Amazônia têm chances ínfimas de serem investigadas dadas as tendências atuais. O estudo foi publicado nesta quarta-feira, 19, na revista Current Biology.

O tamanho das lacunas de conhecimento varia conforme o ambiente. Dentre as áreas com menos de 10% de probabilidade de pesquisa, encontravam-se 54% das áreas não inundáveis, 27% dos hábitats aquáticos, e cerca de 17% das áreas úmidas. Esses resultados refletem a principal forma de deslocamento de produtos e pessoas na Amazônia, o transporte fluvial. Assim, regiões acessíveis por barco tendem a apresentar mais estudos, a exemplo de florestas alagáveis como as várzeas e os igapós. Por outro lado, ambientes não inundáveis como aqueles de terra firme permanecem secos na maior parte do ano, o que limita a logística e o acesso.

O que mais têm em comum as áreas com a biodiversidade negligenciada? Em geral, as chances de uma região receber estudos ecológicos diminuem com a distância em relação aos centros de pesquisa (universidades, museus biológicos e institutos de pesquisa) ou mesmo com o tempo de viagem a partir de grandes centros urbanos. A influência desses fatores logísticos foi consistente para investigações envolvendo diferentes organismos como plantas, animais vertebrados e invertebrados. Além disso, a degradação florestal e a posse da terra foram relevantes, com menos estudos disponíveis em áreas degradadas e terras indígenas, porém mais pesquisas ecológicas em unidades de conservação.

Na Amazônia brasileira, 23% das florestas já foram perdidas e, a menos que medidas eficazes sejam tomadas, mais 27% delas poderão ser desmatadas ilegalmente até 2050. Dadas as alterações ambientais cada vez mais presentes, é importante mapear regiões com biodiversidade negligenciada e alto risco de alterações ambientais. Nossas estimativas apontam que, dentre as regiões menos investigadas (aquelas com menos de 5% de chances de receber pesquisas ecológicas), cerca de 18% também enfrentarão mudanças significativas de clima e degradação de habitats até 2050.

Faz-se necessário agir para desvendar a biodiversidade dessas regiões antes que as mudanças ambientais avancem, sobretudo próximo ao "arco do desflorestamento". Essa extensa área que se estende pelo sul e leste da Amazônia tem sido fortemente impactada pela exploração madeireira ilegal e o avanço da fronteira agrícola. A presença de mais rodovias e vias de acesso, combinada com as dificuldades de fiscalização ambiental, facilita a presença e a expansão de atividades predatórias. Não coincidentemente, mudanças climáticas mais intensas são projetadas para a porção leste da Amazônia.

É fundamental regionalizar a curadoria de dados por meio do desenvolvimento de programas de pesquisa locais, além de promover a integração das informações com bancos de dados globais. Também é crucial envolver e valorizar a população local nos esforços de pesquisa, conservação e monitoramento de florestas tropicais. Entre as ações possíveis, estão o planejamento de políticas públicas e investimentos em programas de inventariamento e monitoramento que mirem as áreas com biodiversidade negligenciada.

A Amazônia brasileira é uma região de importância vital em termos de biodiversidade, e a perda de seu equilíbrio ecológico não é um preço que deveríamos estar dispostos a pagar.

*

Mario Moura é biólogo, professor visitante da Universidade Estadual de Campinas, e trabalha com biodiversidade, ecologia e conservação.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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