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Mudanças climáticas podem levar à perda de fauna e flora em 90% da Caatinga

Novo estudo projeta vegetação cada vez mais seca e temperaturas mais quentes no bioma brasileiro

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Mario Moura

A Caatinga, bioma 100% brasileiro, abriga quase 30 milhões de pessoas que vivem numa biodiversidade rica, porém negligenciada. Pesquisas recentes - uma delas publicada nesta terça-feira, 17 - indicam que as mudanças climáticas podem acarretar perda de espécies da fauna e da flora em 90% desse bioma até 2060. Ou seja, o território poderá ficar com "a terra ardendo, qual fogueira de São João", como imortalizou Luiz Gonzaga em "Asa branca".

No ritmo atual, no futuro essa área será cada vez mais árida e experimentará temperaturas cada vez mais quentes. Tais alterações do clima poderão comprometer as interações das espécies — entre si e com o ambiente. Felizmente, o combate à crise climática encontra uma forte aliada na modelagem ambiental.

Arte ilustra, no estilo de xilogravura típico do Nordeste, uma mulher chorando com uma enxada na mão em uma paisagem de caatinga, com o sol brilhando e pássaros voando
Ilustração: Valentina Fraiz - Instituto Serrapilheira

A integração de informações sobre clima e biodiversidade com métodos de ciência de dados permite simular as respostas das espécies às variações ambientais. Uma vez construídos os modelos, é possível alimentá-los com projeções do clima futuro e mapear a distribuição geográfica esperada para as diferentes espécies. Ao comparar os resultados obtidos entre o presente e futuro, podemos antecipar as mudanças esperadas para cada espécie.

Para desvendar os impactos das mudanças climáticas sobre a fauna e a flora da Caatinga, um grupo de cientistas, do qual faço parte, reuniu mais de 438 mil registros de ocorrências para cerca de 3 mil espécies de plantas e 93 espécies de mamíferos. Esses dados serviram de base a dois estudos recém-publicados com modelagem ambiental – um sobre as plantas na revista Journal of Ecology, em junho, e o outro sobre os mamíferos, publicado nesta terça-feira, 17, no periódico Global Change Biology.

Quando cruzamos extensas paisagens, é natural que, de um lugar para o outro, a composição das espécies varie. Pois bem: também essa variação será afetada pelas mudanças climáticas, resultando em um processo de simplificação (homogeneização) das comunidades biológicas. Para a flora da Caatinga, o prognóstico é que a redução na variabilidade das espécies atinja 40% do território. Para os mamíferos, esse valor é mais dramático, prejudicando 70% da área do bioma.

Além da exacerbada perda de espécies e homogeneização das comunidades, nossas descobertas destacam que o impacto das mudanças climáticas varia com o tamanho de corpo dos animais. Em 87% das comunidades de mamíferos, a perda de espécies será mais significativa entre mamíferos de pequeno porte, como cuícas e roedores arborícolas, do que entre animais mais pesados, como tatus e capivaras. Não bastasse, projetamos que 93% do bioma experimentará substituição de plantas arbóreas por espécies de gramíneas, herbáceas e suculentas.

As implicações desse desmoronamento da biodiversidade incluem a diminuição de serviços ecossistêmicos – os benefícios gerados pela natureza – e a interrupção de interações entre espécies. Por exemplo, a produção de biomassa vegetal e o armazenamento de carbono é maior em plantas arbóreas, as quais normalmente dependem de mamíferos (entre outros animais) para polinização e dispersão de sementes.

Muito provavelmente, não só "a asa branca baterá asas do sertão". A extinção de espécies animais projetada para a Caatinga poderá acelerar as mudanças na vegetação e dificultar a implementação de estratégias mitigatórias.

Quase metade da população humana global vive em regiões áridas ou semiáridas. É crucial, portanto, compreender o impacto das mudanças climáticas em sua flora e fauna para implementar políticas ambientais que garantam a sustentabilidade dos ecossistemas e recursos naturais para as próximas gerações.

Na Caatinga, esses desafios são aumentados pelas perturbações crônicas e a acentuada perda de habitat. Com uma cobertura vegetal altamente fragmentada — com cerca de 50% da vegetação original ainda presente — o sucesso de iniciativas de conservação dependerá do envolvimento ativo das partes interessadas, incluindo governo, ONGs e comunidades locais.

A modelagem ambiental não só facilita a investigação de múltiplos cenários futuros, como possibilita a identificação de tendências convergentes que podem transmitir uma mensagem unificada. Essas "soluções inteligentes" para antecipar o futuro da Caatinga representam uma oportunidade única para reverter décadas de degradação ambiental e promover a resiliência do sertão.

A mitigação dos impactos das mudanças climáticas – de ondas de calor extremo a enchentes e inundações – requer uma reavaliação das nossas relações com o meio ambiente. A Organização das Nações Unidas designou o período de 2021-2030 como a Década da Restauração de Ecossistemas. Governos, sociedade civil, empresas do setor privado e organizações multilaterais precisam dar prioridade a iniciativas de restauração ambiental antes que seja muito tarde.

As vantagens da regulação climática estendem-se muito além da simples saúde dos ecossistemas, abrangendo também a criação de empregos, melhorias na segurança alimentar e no bem-estar social das populações humanas.

*

Mario Moura é biólogo, professor visitante da Universidade Estadual de Campinas, e trabalha com biodiversidade, ecologia e conservação.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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