Ciência Fundamental

O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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O próximo supercontinente

Tudo indica que, no futuro, teremos um grande encontro de massas continentais como foi a Pangeia

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Fabrício Caxito

Em 1912, o meteorologista alemão Alfred Wegener apresentou ao mundo a sua hipótese da deriva continental. Um dos pilares dessa teoria era a observação, já constatada por outros cientistas, de que as linhas de costa dos diferentes continentes parecem se juntar, como um quebra-cabeça, se fizermos uma subtração mental dos oceanos que as separam. A costa leste do Brasil, por exemplo, se encaixa quase perfeitamente na costa oeste da África. Wegener reuniu diversas evidências que indicavam que os tipos de rochas, estruturas geológicas e fósseis encontrados nos dois lados do Atlântico de fato sugerem que um dia as duas massas continentais, que hoje são América do Sul e África, formavam um único bloco: a Pangeia.

A teoria de Wegener foi rejeitada pela maioria dos cientistas. Um dos problemas que eles apontavam dizia respeito ao mecanismo capaz de fazer com que grandes continentes se movimentassem livremente na superfície da Terra, a ponto de um dia estarem juntos e, milhões de anos depois, separados. Passado quase meio século de descobertas científicas, compreendeu-se que os continentes estão assentados sobre placas tectônicas, os blocos rochosos que compõem a litosfera terrestre. E que, na verdade, continentes se encontram e se separam mais do que podemos imaginar.

Arte ilustra um homem de barba e cabelos brancos tocando um acordeão. Na parte sanfonada que abre e fecha há um mapa múndi
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

As placas tectônicas são os grandes fragmentos de litosfera (camada composta da crosta e parte do manto, que se comporta de forma rígida) que flutuam sobre uma astenosfera (camada constituída do restante do manto, que, devido à sua composição e às temperaturas e pressões no interior do globo, se movimenta de forma mais fluida em escalas de tempo geológicas).

Abaixo da astenosfera, no interior do planeta, temos o núcleo terrestre, ainda mais quente. A astenosfera funciona como uma chaleira de água fervente: a parte inferior do manto fundido em contato com o núcleo mais quente é constantemente aquecida, o que faz com que sua densidade fique menor que a das camadas superiores do manto. As colunas de manto quente sobem devagar, enquanto nas camadas superiores o manto mais frio tende a mergulhar de volta para o fundo da Terra, onde será reaquecido pelo contato com o núcleo, assim continuando o ciclo em grandes correntes de convecção.

Quando essas correntes chegam ao topo da coluna de convecção, elas ajudam a arrastar as placas tectônicas rígidas que estão na superfície, em contato imediato com a astenosfera, até que elas se tornem frias e densas o suficiente para afundar no manto, nas chamadas zonas de subducção. Esse movimento é um dos principais motores da tectônica de placas que impulsiona a deriva dos continentes, isto é, a mudança gradual de posição na superfície terrestre.

Essa dança dos continentes permite que, de tempos em tempos, eles se encontrem e se separem, formando novas massas continentais e diferentes configurações paleogeográficas. Hoje sabemos, por exemplo, que entre cerca de 335 milhões e 200 milhões de anos atrás quase todas as massas continentais estavam juntas em um só bloco (chamado paleocontinente), a Pangeia, que se separou graças à abertura do oceano Atlântico, ocorrida a partir de cerca de 200 milhões de anos atrás.

Quando um paleocontinente contém mais de 75% de todas as massas continentais terrestres, dizemos que ele é um supercontinente. E Pangeia não foi o primeiro: esse encontro global das massas continentais ocorreu diversas vezes no passado, criando os supercontinentes Rodinia, há cerca de 1 bilhão de anos, e Columbia, há cerca de 1,8 bilhão de anos, além de possíveis outros mais antigos. E quanto ao futuro, será que os fragmentos continentais irão se reencontrar em novas posições, redesenhando as massas terrestres?

Tudo indica que sim, mas os locais exatos onde eles poderão colidir e configurar um novo bloco é tema de intenso debate. Alguns cientistas acreditam que o movimento atual dos continentes continuará, e assim o oceano Atlântico ficará cada vez maior e o Pacífico menor, devido ao mergulho de suas placas oceânicas nas zonas que formam o chamado Círculo de Fogo, onde se concentra a maior parte dos vulcões.

Essa configuração levaria à futura colisão da costa oeste das Américas com a costa leste da Ásia, modelo proposto pelo geólogo sul-africano Chris Hartnady em 1992. No final da década de 90, o inglês Roy Livermore apresentou modelo semelhante, a que chamou de Novopangeia, com um encaixe um pouco diferente das linhas de costa e o envolvimento da Antártica, que não aparece no anterior.

Existem, porém, alternativas. Se o movimento dos continentes for revertido devido a mudanças nos padrões de convecção na astenosfera, o oceano Atlântico poderá voltar a ser consumido, enquanto o Pacífico se expandirá. Tal futuro levaria as Américas a mais uma vez colidir com a costa leste da África e da Europa, gerando o supercontinente que o estadunidense Christopher Scotese batizou de Pangeia Ultima, mas depois trocou por Pangeia Proxima, para evitar que o nome remetesse a um fim do ciclo dos continentes.

Os dois processos, de fechamento do Pacífico e do Atlântico, respectivamente, podem ser entendidos em termos distintos de ciclos continentais. No primeiro caso, os continentes que se separaram quando houve a ruptura de Pangeia acabariam colidindo com outros fragmentos do outro lado do mundo, ou seja, as bordas que colidem são diferentes daquelas bordas continentais que se separaram e hoje parecem se encaixar como peças de quebra-cabeça. Esse processo é chamado de extroversão.

Na segunda possibilidade, as bordas continentais que se afastaram seriam mais ou menos as mesmas que irão colidir de novo no futuro, processo chamado de introversão, no qual o movimento dos continentes lembraria o de um acordeão, abrindo e fechando segundo o desenvolvimento dos oceanos entre eles.

Mas existe ainda uma terceira possibilidade. Uma ideia capitaneada pelo norte-americano Ross Mitchell, agora na Academia Chinesa de Ciências, é que novos supercontinentes se formarão a aproximadamente 90 graus de seus predecessores — por isso dita ortoversão, de "ortogonal" — devido à agregação dos fragmentos continentais em locais onde o manto frio está descendo até o núcleo. Nessa visão, seria o oceano Ártico que se fecharia, gerando a colisão dos continentes atuais no polo Norte para compor Amásia (Américas + Ásia), seguindo uma proposta anterior do geólogo canadense Paul Hoffman.

Além da introversão, extroversão e ortoversão, em 2018 outro mecanismo foi proposto pelo português João Duarte e seus colaboradores. A partir da observação de terremotos nas margens da península Ibérica, eles chegaram à conclusão de que é possível que zonas de subducção — aquelas em que placas oceânicas em colisão com outras placas oceânicas ou com placas continentais mergulham sob essas últimas — comecem a se desenvolver nas bordas do Atlântico, enquanto continuam operando no Pacífico, de modo a assim gerar dois círculos de fogo, cada um deles bordejando um dos oceanos.

Tal cenário pode levar, no futuro, ao consumo simultâneo dos dois maiores oceanos do planeta, situação só possível caso um novo oceano fosse gerado em algum local, talvez rasgando a Eurásia ao meio. Duarte e colaboradores chamaram o novo supercontinente que resultaria desse processo de Aurica (pois, Austrália e Américas acabariam no centro da nova configuração).

Em todo caso, se a tectônica de placas seguir seus processos atuais, o fenômeno só ocorrerá em cerca de 200 milhões de anos. Até lá, provavelmente nenhum ser humano estará por perto para ver como será a vida na Novopangeia, Pangeia Proxima, Amásia ou Aurica.

*

Fabrício Caxito é professor de geologia, pesquisador principal no projeto GeoLife MOBILE e filósofo pela UFMG.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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