Ciência Fundamental

O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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Um novo período para o tempo geológico

Não é só o Antropoceno: geólogos também discutem o marco do Criogeniano, quando a Terra viveu seus momentos mais gelados

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Fabrício Caxito

A comunidade internacional da geologia se vê às voltas com a tentativa de definir formalmente o novo marco de um período geológico. E não estamos falando do Antropoceno – que, como sabemos, também está em discussão -, mas do Criogeniano, um dos períodos mais antigos pelos quais a Terra passou, quando o planeta viveu seus momentos mais gelados. Mas, em meio à grandeza do tempo geológico, como sua escala é calculada? Quais são os critérios para defini-lo?

A Terra tem cerca de 4,5 bilhões de anos. É um número de tal grandeza que somos incapazes de apreendê-lo por completo. Para compreender melhor a evolução do planeta, os geocientistas dividem esses bilhões de anos em categorias marcadas por eventos ou estágios evolutivos.

arte ilustra um homem artista manuseando uma vareta dentro de um pote de vidro com areias coloridas que formam camadas.
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Os éons, a maior unidade de tempo geológico, são quatro – Hadeano, Arqueano, Proterozoico e Fanerozoico. Cada éon é dividido em eras, que por sua vez são divididas em períodos, e estes, em épocas. Portanto, éons, eras, períodos e épocas compõem a escala de tempo geológico.

Mas como os cientistas determinam onde começa e onde termina cada unidade de tempo geológico? Esse processo pode ser mais bem entendido se levarmos em conta o recente processo de instauração do mais novo período geológico, o Antropoceno, cuja proposta de formalização se baseou no impacto do ser humano nos sistemas naturais, como as mudanças climáticas geradas pela ação antrópica.

Marcadores específicos no registro geológico testemunham os efeitos de nossas ações. Um exemplo são as explosões de bombas atômicas em meados do século 20, que geraram chuvas de elementos radioativos que não existiam ou não eram naturalmente abundantes. Tais elementos se disseminaram pelo meio ambiente e podem ser encontrados em sedimentos depositados nos mares, lagos e rios do mundo todo, fornecendo um possível marcador para o início do Antropoceno.

É preciso, portanto, que algum evento de significância global, de preferência ocorrido com certa rapidez, delimite o advento de uma nova unidade de tempo. O registro geológico é, porém, incompleto, com muitas das rochas mais antigas tendo sido arrasadas pelos efeitos do intemperismo e da erosão. Assim, quanto mais recuamos no tempo, mais difícil é a interpretação desses eventos globais, e mais difícil a subdivisão formal do tempo geológico.

O Ediacarano é o período geológico mais antigo a ter recebido uma delimitação formal, o que ocorreu em 2004. Ele durou de 635 a 538 milhões de anos, sendo o último período da era Neoproterozoica (de 1000 a 538 milhões de anos), que por sua vez integra o éon Proterozoico (de 2500 a 538 milhões de anos). O critério empregado para definir o início desse período foi o término do último momento de glaciação global que o planeta vivenciou, a chamada Terra Bola de Neve, quando as geleiras podem ter alcançado até o Equador.

Para formalizar o começo de um período, os cientistas escolhem uma localidade típica onde o fenômeno pode ser observado com maior clareza. No caso do Ediacarano, tal localidade reside em afloramentos rochosos às margens do riacho Enorama, no Parque Nacional das Montanhas Flinders, no sul da Austrália, próximo às montanhas Ediacara, daí o nome. Nesse local foi inserido um marco apelidado de "Golden Spike", cujo nome oficial é GSSP (Global Boundary Stratotype Section and Point, ou Ponto e Seção Estratotípica Global de Limite). Períodos geológicos mais antigos são definidos informalmente, e aguardam a definição de um GSSP.

Agora, cientistas que integram a Comissão Internacional de Estratigrafia estão envolvidos na missão de definir o início, e propor um local para inserir o GSSP do próximo período geológico mais velho do que o Ediacarano na escala: o Criogeniano, do grego krýos, frio, e génesis, gênese. Ele é assim chamado por ser o momento em que a Terra viveu seus principais momentos de glaciação, sendo pelo menos duas delas globais, a glaciação Sturtiana, entre cerca de 717 e 660 milhões de anos, e a Marinoana, que terminou há 635 milhões de anos. Mais uma vez, os nomes se originam de localidades na Austrália.

Cada vez vão sendo definidos períodos progressivamente mais antigos. Depois do Criogeniano, haverá um mais velho a ser definido formalmente com GSSP, e assim por diante, até chegarmos à idade da Terra.

A busca pela determinação formal do período Criogeniano passa por uma pesquisa que procura descobrir registros que atestem a transição de um planeta quente para um planeta completamente congelado. Em outras palavras, para decidir onde situar o GSSP do Criogeniano, é preciso descobrir as rochas que registram exatamente essa passagem climática. Tarefa complexa, visto que a maioria das rochas dessa idade já sofreram cerca de 700 milhões de anos de intemperismo e erosão. Algumas candidatas, porém, já apareceram nas ilhas Garvellach, na costa oeste da Escócia.

Com exceção do GSSP do período Ediacarano, todos os outros GSSP – cerca de oitenta – estão localizados em países do hemisfério norte. Além do viés geopolítico, essa situação nos leva a pensar em quantas localidades com afloramentos rochosos significativos, de importância global, podem estar escondidas em países da América do Sul, África e sul da Ásia. A pesquisa geológica em tais regiões se torna imperativa e crucial não só para o desenvolvimento dessas nações, como para o quadro científico mundial. Quem sabe o próximo período geológico não pode ser definido com a colocação de um GSSP no Brasil?

*

Fabrício Caxito é professor de geologia, pesquisador principal no projeto GeoLife MOBILE e filósofo pela UFMG.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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