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Ações afirmativas na pós-graduação podem transformar o ensino superior

Por que a inclusão de pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência deve ir além da graduação

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Nas últimas duas décadas, o país passou por uma transformação do ensino superior público, sobretudo devido à criação de ações afirmativas em prol de grupos sociais.

Apesar de o senso comum associar as ações afirmativas às cotas, elas são apenas uma modalidade num rol de políticas públicas destinadas a ampliar as oportunidades de inserção de pessoas pertencentes a determinados grupos em espaços marcados por desigualdade, como é o caso do ensino superior brasileiro.

Arte ilustra duas mãos pretas e um relógio
Ilustração: Linoca Souza - Instituto Serrapilheira

A partir dos anos 2000, diferentes modalidades de ações afirmativas foram instituídas no ensino superior, abarcando desde o acesso dos estudantes às instituições até sua permanência nessas mesmas faculdades e universidades, a ponto de o Brasil ser, hoje, uma das principais referências globais em termos de ações afirmativas e cotas sociais e raciais no ensino superior.

Dados do Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas (CAA) criado pelo GEMAA e pelo Afro-CEBRAP apontam que em 2021 as classes C, D e E representavam metade do alunado do ensino superior público, com maioria de 52,4% constituída de estudantes pretos, pardos e indígenas. Em 2001, universitários das classes C, D e E somavam 19,3%, enquanto os pretos, pardos e indígenas eram representados por 31,5% dos alunos. Portanto, as políticas de cotas geraram uma diversificação racial e socioeconômica do perfil dos estudantes, uma revolução na educação brasileira que transformou a vida de milhões de pessoas.

As ações afirmativas, em especial a modalidade de reserva de vagas, têm se expandido para outras áreas, como a pós-graduação. Iniciado em 2002, esse processo foi concomitante à criação de políticas para graduação, mas somente a partir de 2012 tais políticas começaram a se difundir pelos programas de pós-graduação.

Em um levantamento realizado a partir de todos os editais de seleção dos programas de pós-graduação acadêmicos (mestrado e doutorado) de universidades públicas divulgados até 2021, o Observatório de Ações Afirmativas na Pós-graduação - Obaap identificou que 1.531 programas já adotavam algum tipo de ação afirmativa em seus processos de admissão, o que representa 54,3% de todos os 2.817 programas analisados. Outro estudo do Obaap revelou que até abril de 2023, 52 universidades públicas aprovaram resoluções pelos conselhos universitários determinando que todos os seus programas deveriam (ou poderiam) elaborar e implementar tais políticas.

Em 2023 esse movimento ganha fôlego com a inclusão na Lei 12.711/2012, a Lei de Cotas, das ações afirmativas na pós-graduação, algo essencial para a difusão e consolidação desse tipo de medida nos programas stricto sensu. Com isso, as instituições federais de ensino superior devem adotar ações afirmativas na pós-graduação para inclusão de pretos, pardos, indígenas e quilombolas, e de pessoas com deficiência.

E mais: a redação do artigo possibilita que os programas e as instituições escolham as modalidades mais adequadas a seus contextos e processos seletivos. Foi pensando nisso que o Obaap lançou um Guia Básico de Ações Afirmativas na Pós-graduação, que visa orientar as instituições no processo de desenho das ações afirmativas, indicando as diferentes possibilidades em termos de modalidades, beneficiários, critérios de seleção e políticas de permanência, e apresentando exemplos de redação de editais e resoluções.

Antes da alteração da lei, tínhamos um pool de políticas incompleto, já que, embora as oportunidades de acesso à graduação e também aos concursos públicos tivessem sido ampliadas, não havia sido estabelecido um mecanismo que abarcasse a pós-graduação, fundamental para formar mais mestres e doutores com diferentes perfis étnico-raciais, de gênero e sociais e, assim, tornar a ciência brasileira e a docência mais plurais e representativas.

Ainda temos muito a avançar, mas sem dúvida estamos avançando no caminho para que a transformação do ensino superior — graduação, pós-graduação e docência — se torne uma realidade.

*

Anna Carolina Venturini é doutora em ciência política e criadora do Observatório de Ações Afirmativas na Pós-graduação (Obaap).

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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