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Colapso da Amazônia: os pontos importantes e pouco comentados do novo estudo

Marina Hirota, uma das autoras do artigo da Nature que prevê que a floresta amazônica pode colapsar até 2050, lista três aspectos do trabalho que foram pouco explorados pela imprensa

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Na última semana, uma manchete estampou as páginas principais de veículos no Brasil e em todo o mundo: até 2050, quase metade da Amazônia pode entrar em colapso e atingir o chamado ponto de não retorno, quando a floresta perde a capacidade de se recuperar totalmente.

TVs, jornais e portais de notícias reproduziram os achados alarmantes de um estudo que foi capa da revista Nature, liderado pelos pesquisadores Marina Hirota e Bernardo Flores, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), com colaboradores do Brasil, Europa e Estados Unidos. Eles estimam que, se nenhuma medida for tomada, de 10% a 47% da floresta terão sido expostos a ameaças tão graves que, em 25 anos, perderão sua capacidade de se manter e sofrerão mudanças em seu ecossistema – a floresta pode permanecer numa configuração degradada, por exemplo.

arte ilustra uma mulher indígena de cabelos longos e pretos de olhos fechados, de uma narina sai uma árvore, de outra sai uma fumaça
Ilustração: Valentina Fraiz - Instituto Serrapilheira

Essas mudanças podem gerar impacto no clima, reduzindo chuvas na região, impedindo a floresta de capturar gás carbônico da atmosfera e aumentando o risco de um colapso em larga escala. No artigo, os pesquisadores determinam quais são os limites críticos para os principais fatores de estresse na Amazônia – como o aumento das temperaturas, maior intensidade de secas extremas, desmatamento e incêndios – que, se ultrapassados, podem levar a esse colapso.

O cenário é grave, e soar o alarme é fundamental para mostrar a urgência de se agir o quanto antes. Por isso, a imprensa tende a chamar atenção para o pior cenário possível: o colapso de quase metade da floresta em 25 anos. Mas o estudo traz outros aspectos relevantes que ficaram de lado na cobertura jornalística.

Marina Hirota, que se diz otimista sobre nossa capacidade de reagir ao problema, listou três pontos importantes do estudo publicado na Nature e que acabaram sendo pouco explorados pela imprensa:

1- Ainda temos tempo (mas não muito)

Quando se diz que a partir de 2050 teremos o ponto de não retorno, isso não significa que a floresta amazônica vai necessariamente colapsar no dia seguinte. Estamos falando de uma escala de tempo muito diferente daquela da vida humana: afinal, a Terra tem cerca de 4,6 bilhões de anos. Nessa escala, "rápido" pode significar 300 anos.

"A partir do momento em que esse ponto é cruzado, as mudanças que poderíamos fazer agora não necessariamente vão ter a mesma eficiência lá na frente", explica Hirota. "Se tentarmos parar o desmatamento depois de cruzar o ponto de não retorno, o efeito das nossas ações vai ser muito menor." Ou seja: temos tempo, mas se quisermos evitar o colapso de uma forma mais eficiente, isso deve ser feito o quanto antes.

2- A Amazônia não é uma coisa só

Os pesquisadores observaram que os efeitos estão acontecendo de forma bastante heterogênea por regiões. Isso porque a própria Amazônia não é homogênea, mas um bioma imenso, moldado ao longo de dezenas de milhares de anos, e com vários ecossistemas diferentes dentro dele – por exemplo, savanas no meio da floresta que são totalmente naturais, regiões alagadas, terras mais ou menos férteis, que respondem de formas diversas aos distúrbios. "Não podemos pensar que as árvores são todas iguais", alerta Hirota.

Por isso o estudo fala em pontos de não retorno locais e sistêmicos: fatores de estresse diferentes, como secas extremas, incêndios e desmatamento, geram respostas diferentes, desestabilizam as várias partes da Amazônia de forma errática, e essa heterogeneidade nos faz ganhar algum tempo. É como se, no corpo humano, cada órgão começasse a falhar em momentos distintos – primeiro o fígado, depois o estômago, depois o rim. Por algum tempo, o corpo ainda é capaz de funcionar, ainda que tudo esteja interligado. Mas, em algum momento, ele sofre um colapso sistêmico e chega ao estado de morte.

3- A solução existe

"É importante deixar claro que nós somos capazes de fazer as mudanças necessárias por meio de ações combinadas e unindo vários níveis de governança", diz Marina Hirota. "Por exemplo, esforços locais para reduzir drasticamente o desmatamento, combinados a iniciativas de restauração florestal coordenadas entre Federação, estados e municípios."

A ação local deve ser conectada também a esforços globais para frear a emissão de gases de efeito estufa, mitigando assim os impactos das mudanças climáticas. É fundamental, ainda, integrar conhecimentos – não só aqueles produzidos por cientistas, mas também os dos povos das florestas, das pessoas que vivem no lugar. E, por fim, conectar esses conhecimentos a políticas públicas, que devem ser desenhadas com base em evidências sólidas.

Para construir essa ponte, aliás, Marina Hirota participa, junto a outros pesquisadores, de um projeto-piloto de um centro de pesquisa e políticas públicas dedicado à ecologia tropical. Nesse momento, os cientistas envolvidos no piloto estão trabalhando para definir seus eixos prioritários e para sintetizar o conhecimento já existente. Enquanto um grupo foca em pesquisas de longo prazo, como um mapeamento da biodiversidade, outro pensa em pesquisas com resultados mais imediatos que possam informar gestores públicos. Ainda não há previsão, no entanto, para o centro ser inaugurado.

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Clarice Cudischevitch é jornalista de ciência e gerente de Comunicação no Instituto Serrapilheira.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog

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