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Em busca da vida perdida na Terra

O que já sabemos e o que não sabemos sobre a presença de vida microscópica no planeta

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Fabrício Caxito

"A Terra é o único planeta onde até hoje foram encontradas formas de vida." Ao ouvir afirmativas como essa, pensamos em ecossistemas vibrantes, com cadeias alimentares complexas e a interação de animais, vegetais, fungos e outros organismos. Ao longo de grande parte da história do planeta, porém, a vida que aqui vingou era de um tipo muito diferente.

Com o desenvolvimento dos microscópios na virada do século 16, os primeiros microrganismos logo foram descobertos. Em seu excelente tratado "Micrographia", de 1665, o célebre cientista inglês Robert Hooke publicou a primeira descrição do microfungo Mucor. Em seguida, a partir de 1674, o construtor de microscópios holandês Anton van Leeuwenhoek descreveu diversos protozoários e bactérias pela primeira vez. Décadas de estudo permitiram compreender a importância desses seres microscópicos, tanto como causadores de doenças, como peças-chave na reciclagem de elementos químicos cruciais em toda a biosfera.

arte ilustra um microscópio no qual é colocada uma amostra de torta com diversas camadas. ao fundo há montanhas
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Os primeiros registros de vida visíveis a olho nu são as impressões que organismos de corpos moles, a chamada fauna de Ediacara, deixaram em rochas sedimentares depositadas em mares rasos há cerca de 550 milhões de anos. A Terra, porém, tem cerca de 4,5 bilhões de anos. O que aconteceu na biosfera nos 4 bilhões de anos que antecederam o surgimento desses organismos?

Evidências encontradas em rochas ainda mais antigas sugerem que, de fato, já existia uma biosfera abundante no planeta, provavelmente desde pouco depois de sua formação. Como eram formas de vida predominantemente microscópicas, não conseguiram deixar impressões visíveis no registro fóssil. Ainda assim, encontramos algumas provas de sua existência.

Uma rocha conhecida como estromatólito – do grego stroma, camada, e lithos, rocha –, por exemplo, constitui a evidência que mais frequenta os cartórios, ou melhor, registros geológicos. Estromatólitos são formações rochosas calcáreas com um formato de coluna ou domo que, em um corte transversal, revelam camadas milimétricas empilhadas. Ainda existem locais no planeta onde colunas de sedimento calcáreo semelhantes estão se formando hoje, como Shark Bay, na Austrália, e a Lagoa Salgada, no Rio de Janeiro. Ao examinar esses sítios, é possível entender o processo de formação dessa rocha.

As camadas milimétricas dos estromatólitos são criadas por organismos fotossintéticos que estendem uma espécie de tapete microbial na superfície do sedimento. Para permitir a entrada da luz do sol, essencial para a fotossíntese, os organismos constroem um novo tapete quando o antigo fica completamente soterrado por sedimentos, e esse novo se acomoda sobre o anterior, e assim por diante, daí o aspecto de bolo em camadas.

Os estromatólitos mais antigos têm cerca de 3,5 bilhão de anos, e são encontrados na Austrália e na África do Sul. Em 2016, uma equipe liderada pelo geólogo australiano Allen Nutman publicou, na revista "Nature", a descoberta de possíveis estromatólitos de até 3,7 bilhões de anos, na Groenlândia, mas essas ocorrências ainda estão sendo discutidas.

Outro tipo de evidência são microfósseis dos próprios organismos, visíveis apenas através do recorte de lâminas de apenas alguns micrômetros de espessura de amostras de rochas, finas o suficiente para serem analisadas em microscópio. É preciso investigar centenas de lâminas e ter o olho treinado para reconhecer as estruturas que podem ser interpretadas como antigas colônias ou filamentos de algas e outros tipos de microorganismo. Em outro artigo na "Nature", em 2017, uma equipe liderada pelo astrobiólogo australiano Matthew Dodd interpretou a presença de possíveis microfósseis em rochas do Canadá depositadas entre 3,8 e 4,3 bilhões de anos atrás.

Temos ainda evidências indiretas para a presença de vida microscópica na Terra, como a assinatura isotópica de remanescentes de carbono. O carbono possui dois isótopos naturais abundantes, o carbono-12 e o carbono-13, cada um com 6 prótons (daí o nome isótopos, que quer dizer mesmo número de prótons), mas com número de nêutrons diferente, resultando em massas diferentes. Na fotossíntese, que envolve a reação entre gás carbônico e água utilizando a luz do sol, os microrganismos preferem utilizar as moléculas de gás carbônico que possuem o isótopo de massa menor, já que a quebra das ligações moleculares requer menor energia. Com isso, uma maior quantidade de carbono-12 em relação ao carbono-13 pode indicar que um sedimento ou mineral teve interação com microrganismos capazes de selecionar entre os dois isótopos.

Em um estudo liderado pela geóloga norte-americana Elizabeth Bell publicado em 2015, inclusões micrométricas de minerais ricos em carbono, como a grafita, em minerais muito pequenos como os zircões de Jack Hills, no oeste da Austrália, indicam assinatura enriquecida em carbono-12, provável evidência da presença de vida microscópica na Terra desde cerca de 4,1 bilhão de anos. O maior problema das evidências isotópicas é que alguns mecanismos que ocorrem em ambientes hidrotermais, como fumarolas oceânicas, e ligados a vulcanismo, podem também gerar um enriquecimento em carbono-12, tornando assim o método não definitivo como evidência.

Finalmente, a comparação dos genomas de bactérias e arqueas (reino que se diferencia do das bactérias pela composição de sua parede celular, genética e bioquímica) permitiu identificar um conjunto de genes comum aos dois domínios, o que sugere que houve um último ancestral comum – ou LUCA, Last Universal Common Ancestor, no acrônimo original em inglês – para todos os organismos vivos. Conhecendo as taxas em que biomoléculas desses grupos sofrem mutação atualmente, os cientistas podem estimar há quanto tempo essas biomoléculas vieram de um ancestral comum, a técnica conhecida como relógio molecular. Os relógios moleculares indicam que LUCA viveu há aproximadamente 4,5 bilhões de anos – sua idade seria equivalente ao nascimento da Terra. O método tem, porém, também suas falhas, sendo a principal a premissa de que as taxas de mutação de um determinado grupo de biomoléculas foram constantes no passado.

Apesar das evidências vindas dos diversos campos do saber não serem definitivas em si mesmas, todas apresentando interpretações alternativas, é o conjunto de evidências obtidas por métodos distintos de investigação que permite pintar um quadro de como era a vida primitiva na Terra, e de onde procurar por ela. Ao que tudo indica, o fenômeno da vida é quase tão antigo quanto o planeta. Isto pode abrir novas possibilidades para a procura de vida extraterrestre que pode, afinal, não ser tão rara quanto se pensa, apenas diferente do que esperamos encontrar, já que condições parecidas com as da Terra em sua fase inicial podem ser mais comuns em outros planetas.

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Fabrício Caxito é professor de geologia, pesquisador principal no projeto GeoLife MOBILE e filósofo pela UFMG.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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