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Descrição de chapéu mudança climática

Como uma pesquisa básica ajuda a preservar um ecossistema negligenciado

A ecóloga Daniela Boanares descobriu o papel fundamental da neblina na absorção de água pelas plantas dos campos rupestres

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Daniela Boanares

Desde os tempos do ensino fundamental somos apresentados ao ciclo da água, aprendendo que as plantas absorvem a água pelas raízes e, depois de utilizá-la em seu metabolismo ao longo do corpo, servem-se das folhas para devolvê-la à atmosfera. Esse caminho, porém, está longe de ser o único.

A água pode seguir rumos inesperados, não se limitando ao percurso solo-planta-atmosfera. Ela pode, por exemplo, entrar no corpo das plantas pelas folhas e a partir daí seguir a rota contrária, retornando ao solo, um movimento vital para o sucesso de várias espécies vegetais. Essa "rota alternativa" da absorção de água pelas folhas, apesar de pouco conhecida, é mais comum do que se pensa, e pode ser observada em mais de 250 espécies de plantas distribuídas em diversos biomas.

arte ilustra uma sauna cheia de névoa/vapor. há plantas espalhadas e uma pessoa entrando de toalha pela porta
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Em minha tese de doutorado em biologia vegetal, cursado na Universidade Federal de Minas Gerais, fiz uma descoberta ao observar essa estratégia em plantas de um ecossistema conhecido por sua grande diversidade: os campos rupestres, encontrados em topos de serras e chapadas mais altas, com rochas onde predominam ervas, gramíneas e arbustos (aquela vegetação típica da savana). Além de comprovar a entrada de água a partir da neblina nas folhas das espécies desse ambiente, minha pesquisa revelou variações na intensidade dessa estratégia.

Mas, afinal, por que é tão importante investigar a absorção de água pelas folhas das plantas nos campos rupestres? Antes de tudo, precisamos entender o valor desse ecossistema, muitas vezes subestimado até mesmo por alguns cientistas. Os campos rupestres são formados por uma mistura diversificada de vegetação gramíneo-arbustiva encontrada em rochas que contêm ferro, ou de quartzito e arenito, chamados localmente de canga, e vulneráveis a incêndios. Esses campos abrigam mais de 5 mil espécies de plantas conhecidas, sendo que mais de 2 mil são exclusivas desse ambiente. Ou seja, é um ecossistema megadiverso.

Quando investigamos a flora dos campos rupestres, nos deparamos com uma previsão alarmante: estudos indicam que a área desse ecossistema sofrerá uma redução de até 80% nos próximos 50 anos, devido não só às mudanças climáticas, mas também às alterações provocadas pela atividade humana, especialmente a mineração.

Como as plantas desse ecossistema estão adaptadas a esse ambiente e seu microclima extremamente específico, qualquer mudança brusca pode resultar em extinções locais, seguidas de alterações na composição de espécies e na paisagem, impactando diretamente os benefícios ecossistêmicos, como provimento de água, beleza cênica, biodiversidade, sequestro de carbono, valor cultural e espiritual, proteção de recursos genéticos e fonte de matérias-primas e alimentos.

Pesquisas a respeito de mudanças climáticas preveem uma redução das chuvas nas regiões tropicais que poderá acarretar uma escassez de neblina em alguns ambientes. Tal prognóstico é preocupante, uma vez que a neblina é fonte importante da água absorvida pelas folhas, ou seja, uma alternativa valiosa em casos de escassez hídrica. Em ecossistemas onde ela é frequente, seu papel ecológico é significativo. Em ambientes com estações de chuva e seca bem demarcadas, por exemplo, ela pode ser a única fonte de água para as plantas.

A estratégia da absorção pelas folhas de água oriunda da neblina é pouco estudada, uma vez que as pesquisas em hidrologia costumam se concentrar exclusivamente na chuva ou em outras formas convencionais de obtenção de água atmosférica. Alternativas como a neblina acabam negligenciadas.

Minha pesquisa nos campos rupestres de Minas Gerais e Pará revelaram uma série de descobertas que podem ser extensíveis também a outros ecossistemas ao redor do mundo. A presença de neblina na estação seca, por exemplo, aumenta significativamente a hidratação das plantas, que chegam a se equiparar aos níveis observados durante a estação chuvosa.

Além disso, considerando as sabidas projeções de aumento de temperatura devido às mudanças climáticas, a pesquisa revelou que diferentes capacidades de absorção de água pelas folhas influenciam a tolerância das plantas a temperaturas elevadas. Logo, investigar as espécies potencialmente adaptadas aos futuros cenários climáticos pode fornecer insights fundamentais sobre a vulnerabilidade das espécies e as implicações para o manejo.

Compreender as múltiplas estratégias atuantes em um mesmo ambiente não apenas ajuda a explicar a diversidade de vida, mas também é essencial para desvendar o funcionamento dos ecossistemas em diferentes escalas. Isso nos capacita a elaborar planos de gestão mais eficazes, alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), garantindo que o planeta permaneça dentro dos limites de sustentabilidade. Descobertas como a absorção de água pelas folhas das plantas e em quais espécies ela ocorre não só enriquecem nosso conhecimento sobre as espécies frente às mudanças globais, mas também guiam decisões mais precisas para a preservação desses preciosos ecossistemas.

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Daniela Boanares é doutora em biologia vegetal e bolsista do Instituto Tecnológico Vale (ITV) até abril, quando começará um pós-doc na Uerj.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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