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Fungos patogênicos: a área negligenciada no estudo de doenças negligenciadas

Fábio Brito-Santos acredita que a pesquisa de fungos causadores de doenças pode ajudar no enfrentamento de novas pandemias

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Meghie Rodrigues

Em 1999, a Columbia Britânica, no sudoeste do Canadá, assistiu a um surto de infecções causado por um fungo do complexo de espécies Cryptococcus gattii. Entre os sintomas da criptococose —a micose sistêmica causada por esse tipo de fungo—, estão febre, náuseas, tosse, dor de cabeça, confusão mental e perda de peso. No início dos anos 2000 o fungo se espalhou por partes do Noroeste dos Estados Unidos. Até 2007, só na Columbia Britânica mais de 200 pessoas haviam contraído a infecção. A maioria apresentou problemas respiratórios graves, e pouco menos de 10% dos infectados chegou a morrer no período. Até 2015, o Canadá registrou quase 400 casos.

Avançando alguns anos, um grupo de pesquisadores da Fiocruz encontrou esse mesmo fungo na poeira de casas em Santa Isabel do Rio Negro (além de um "parente" próximo, do complexo de espécies Cryptococcus neoformans, em outros dois municípios da microrregião do Rio Negro), no Amazonas. A diferença é que, no momento da pesquisa, não havia evidências de pessoas doentes, mesmo em contato com o patógeno.

arte ilustra o pesquisador Fabio Brito-Santos em meio ao verde olhando como em binóculos, as lenes são feitas de fungos
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Sabe-se que C. gattii está presente em regiões tão diversas quanto algumas partes do continente africano, da Austrália, Papua-Nova Guiné, Canadá, Estados Unidos e Brasil. Mas, se o fungo é o mesmo, o que faz com que o potencial de infecção seja tão diferente de um lugar para outro?

O micologista e farmacêutico Fábio Brito-Santos, que liderou a identificação do fungo na Amazônia (com pesquisa publicada em dois artigos: um de 2015 e um de 2020), diz que essa é uma pergunta que ele ainda está investigando — e reunindo ferramentas de áreas diversas para ajudar na resposta. "Cada área de pesquisa tem um olhar diferente", observa Brito-Santos, que faz parte de uma escola de micologia que foi liderada pelos pesquisadores da Fiocruz Bodo Wanke e Márcia Lazera. "Um imunologista vai se perguntar se a população tem anticorpos. O ecólogo, se o clima interfere no funcionamento desse fungo, ou se o microbioma amazônico lhe é favorável por causa dos nutrientes que tem. Seria audácia minha dizer que sei o porquê", ele diz.

Há muita coisa que não se sabe, mas uma coisa é certa: "A gente sabe dos impactos da desordem causada pela ação humana sobre os ecossistemas e vem alertando sobre seus efeitos", diz Brito-Santos. Ele está seguindo essa pista em um projeto mais abrangente que vai ajudar a responder a perguntas como as que C. gattii trouxe à baila. Usando a eco-epidemiologia e saúde única —uma abordagem que cruza saúde humana, animal e ambiental—, o cientista vai voltar ao Alto Rio Negro para entender os fungos endêmicos da região e como eles interagem com o impacto da ação humana.

Objeto de um pós-doutorado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro desenvolvido junto à professora Flávia Rocha e em parceria com a pesquisadora Luciana Trilles, da Fiocruz, sua pesquisa estuda o potencial que esses organismos têm de causar doenças. "A micologia médica [estudo de fungos patogênicos] é a área negligenciada no estudo de doenças negligenciadas", ele brinca. "Por isso me interessa tanto."

Como farmacêutico e microbiologista, mergulhar em ecologia quantitativa vai ser uma experiência nova para ele, que recentemente foi contemplado em uma chamada de apoio a pesquisadores negros e indígenas. Mas esse desafio vai ser bastante agradável — pelo menos bem mais dos que Brito-Santos enfrentou até chegar ao pós-doutorado.

No ensino médio, ele se formou técnico de laboratório, "porque o curso técnico significa emprego imediato, o que significa renda para a família", pondera.

Mais tarde, durante graduação, mestrado e doutorado, Brito-Santos sempre precisou se equilibrar entre estudos e dois empregos em sua área de formação técnica. Mesmo que sua função o tenha ajudado na escolha do caminho de pesquisa —seu trabalho de conclusão de curso envolveu experimentos com antifúngicos orientados pela pesquisadora Márcia Melhem no Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo—, a carga era pesada. "Chegava em casa à noite depois do trabalho e ia estudar. Precisava manter uma casa, uma qualidade de vida para minha família", ele diz.

Além disso, ainda havia a questão racial. Brito-Santos conta que, durante o doutorado em medicina tropical pelo Instituto Oswaldo Cruz, foi convidado a realizar parte de sua pesquisa na Universidade de Sydney, sob orientação do professor Wieland Meyer, na Austrália. "Fizemos um grupo de estudantes brasileiros. Eu era o único negro entre os colegas que estavam lá. Foi a primeira vez que me senti respeitado como aluno e pesquisador, podendo me dedicar integralmente à pesquisa", desabafa.

A força de vontade vem da proteção de seus orixás: "Sou filho de Ogum. Ogum vence uma guerra e já parte para a próxima, não fica se glorificando com uma vitória. Sigo a minha linha de pesquisa com a premissa de colaborar e agregar, afinal, ‘uma andorinha só não faz verão’."

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Meghie Rodrigues é jornalista de ciência.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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