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A estranha vida das plantas

Vegetais sentem, respondem e ainda se comunicam com o vizinho

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Felipe Ricachenevsky

As plantas são frequentemente vistas como organismos simples, estáticos, de comportamento trivial, que interagem com os humanos menos que os animais o fazem. Por isso, chama nossa atenção quando elas respondem: a dormideira, dorme-dorme ou não-me-toque (Mimosa pudica) é uma planta com folhas compostas que, quando tocada, fecha os folíolos imediatamente, num movimento reversível que crianças (e alguns adultos) adoram.

Também ficamos fascinados pela planta carnívora apanha-moscas (Dionaea muscipula), que fecha sua "boca" na extremidade das folhas para capturar insetos de maneira rápida quando algum pousa sobre elas. Mas são exceções: como os vegetais parecem passivos, julgamos que a vida de uma planta deve ser monótona. Essa percepção, no entanto, deriva da nossa pouca compreensão de como as plantas funcionam.

arte ilustra freud sentado em um sofá fazendo anotações em um caderno; no divã está um vaso de planta
Ilustração: Julia Jabur/ Instituto Serrapilheira - Instituto Serrapilheira

O crescimento vegetal é muito diferente do nosso: plantas produzem órgãos pós-embrionários ao longo de toda a vida. Nós, humanos, somos muito parecidos desde o útero até a vida adulta –em essência, temos os mesmos órgãos ao nascer, só que eles crescem. Praticamente não temos capacidade de regeneração: embora lesões menores cicatrizem, a perda de órgãos —um braço, uma perna— é irreversível. E por isso nos impressionamos com lagartos que substituem a cauda, com os polvos e seus tentáculos, ou até mesmo com a planária, um pequeno verme capaz de se regenerar por completo se cortado ao meio.

Já nas plantas, o embrião vegetal raramente tem semelhança com o indivíduo adulto — abra uma semente de feijão e você verá algo diferente de um pequeno feijoeiro. E, após a germinação, raízes, caules e folhas se desenvolvem continuamente: é como se as plantas produzissem novos braços, pernas, cabeças, constantemente. Mais: é fácil explorar essa capacidade para produzir clones vegetais — as mudas —, pois basta arrancar um ramo e podemos gerar um novo indivíduo geneticamente idêntico, um irmão gêmeo. Em animais, isso é muito mais difícil. A planária não é mais tão interessante, e talvez a medicina regenerativa possa aprender alguma coisa com as plantas.

Como crescem continuamente, as plantas devem modular esse crescimento para o ambiente em que estão, e o fazem de diversas maneiras, a começar na germinação: independentemente de como as sementes forem postas no solo, o caule crescerá para cima e as raízes para baixo, pois as plantas percebem a direção da gravidade da Terra e usam a informação para orientar o eixo de crescimento. O caule também se orienta em direção à luz: se deixada próxima à janela, após alguns dias a planta se curva em direção à luminosidade.

Folhas individuais percebem quando sombreadas por outras, e podem alongar o pecíolo –a parte que prende a folha ao caule– numa tentativa de sair da sombra. Já as raízes são capazes de perceber onde há mais água, ou nutrientes como o nitrogênio, e crescem em direção aos locais onde eles estão mais concentrados. E há casos extremos de plantas que modificam completamente suas características dependendo do ambiente.

Quando cresce a temperaturas de 25 º graus, a planta carnívora Cephalotus follicularis produz folhas com um jarro na ponta para capturar insetos, mas se a temperatura for de 15º, as folhas não desenvolverão a armadilha (já que a população de insetos deve ser menor, e a chance de captura é reduzida). As folhas do agrião do lago da América do Norte (Rorippa aquatica) são muito distintas se a planta for exposta ao ar ou submersa (e também varia com a temperatura). A fantástica trepadeira Boquila trifoliolata, cujas folhas crescem imitando o formato das plantas próximas, como se se camuflassem, de tal modo que um mesmo indivíduo pode ter mais de um formato de folha — caso esteja próximo de plantas diferentes.

Então, plantas são capazes de sentir? Embora seja um tema um tanto controverso —muito prejudicado pelo livro "A vida secreta das plantas", de Peter Tompkins e Christopher Bird, que se valeram de experimentos malconduzidos para sugerir que plantas têm emoções—, não deveria surpreender que um organismo resultante de seleção natural conseguisse diferenciar estímulos ambientais positivos e negativos para ter vantagem evolutiva.

Por meio de receptores (sensores), as plantas medem a quantidade de nutrientes e água em seus órgãos, a direção da luz, a presença de patógenos, a variação de temperatura. E integram essas informações por meio de sinais sistêmicos —químicos, gasosos e até elétricos—; quando, por exemplo, uma folha é atacada por uma lagarta, esses sinais chegam a outras folhas, que sintetizam compostos desagradáveis ao paladar do inseto, antevendo um ataque.

E, recentemente, foi demonstrado que sinais elétricos podem ser transmitidos entre folhas de plantas diferentes: ao conectar duas dormideiras por um fio de cobre e tocar uma delas com um metal quente, a outra também fecha os folíolos. Ou seja: as plantas sentem, respondem e ainda avisam o vizinho.

Logo, a maneira como vemos a vida das plantas deriva da falta de conhecimento. E ainda sabemos muito pouco: há algum tempo, afirmar que plantas eram inteligentes era considerado pouco científico. Hoje, embora não seja um consenso, há quem afirme que sim: se elas são capazes de coletar informações do ambiente, responder de forma adequada para aumentar as chances de sobrevivência, e até responder melhor quando enfrentam a mesma situação (uma forma de memória), trata-se de um organismo inteligente.

Talvez o problema seja a tendência humana de associar tais características à existência de um cérebro, que é apenas uma das soluções criadas pela seleção natural, em um dos ramos da árvore da vida. Para mim, a discussão parece mais semântica, e não é a mais importante: nossa biologia tem a mesma origem, e portanto não deveríamos estar surpresos em compartilhar mecanismos similares. Afinal, vivemos no mesmo ambiente, e dependemos dele para sobreviver.

*

Felipe Klein Ricachenevsky é professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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