Topei, no mercado, com um produto que me deixou deveras intrigado.
A marca é Doriana, que já foi a margarina mais famosa do Brasil, hoje fabricada pela multitentacular JBS. Mas a palavra "margarina" não aparece na tampa ou na frente da embalagem; na parte traseira, vem em letras microscópicas. As letras maiores são reservadas para expressão "plant butter".
"Plant butter" –manteiga de plantas, em inglês. Mas o que é uma manteiga vegetal, se não margarina?
A coisa fica ainda mais curiosa com um selo, impresso na tampa e na frente, com o aviso que se trata de um produto 100% vegetal. Então tá. Trata-se de um produto destinado ao público vegano.
Eu, que não consumo margarina, pensava que essa gordura vegetal fosse sempre vegana. Aí fui olhar as outras marcas na geladeira e vi que quase todas levam um pouco de leite em pó na composição. Para imitar, ainda que remotamente, o gosto de manteiga.
Uma das marcas não acrescenta leite nem se declara vegana. Fui buscar nas letras miúdas: PODE CONTER LEITE. Isso quer dizer que o produto compartilha maquinário com itens que levam leite –a margarina, portanto, talvez esteja contaminada com traços de alimentos lácteos.
O mercado de margarinas é uma coisa muito bizarra. Elas surgiram como uma alternativa mais barata à manteiga e, por muito tempo, foram tidas como mais saudáveis. Aí penetraram nas listas de compras das classes mais abastadas.
Quando ficou provado que eles são mais danosas à saúde do que a manteiga –e imprestavelmente ruins do ponto de vista gastronômico– o único atrativo restante era o preço.
Os ricos não querem saber da palavra "margarina". É coisa de pobre, e estar no mesmo balaio dos pobres é a coisa que o rico brasileiro mais detesta.
Então os fabricantes trataram de esconder a "margarina" na embalagem. Deixaram-na miudinha, lá num cantinho, porque a lei os obriga a dizer o que estão vendendo. Mas não a empregam em nenhuma peça publicitária.
Rico não consome margarina, mas um "creme vegetal" às vezes passa por seu crivo. Ainda mais se vier ômega-3 e/ou tiver o aval de algum chef de cozinha. Criaram as margarinas com adição de manteiga e de creme de leite.
Não se pode adicionar manteiga num produto vegano, então o que fazer? Chamar de "margarina" é algo fora de cogitação, pois quase todo vegano é rico –e tão demofóbico quanto seus pares "carnistas". A solução é vender manteiga de plantas.
Isso não pode ser feito por causa empecilhos legais, pelo menos em português. Então que se faça em inglês. Todo vegano é bilíngue, quando não é poliglota. Em inglês fica mais bonito, mais chique, mais vendedor.
O mais bizarro da embalagem da "plant butter" da Doriana não é a palavra "margarina" estar muito menor do que "butter" num alimento para veganos. É o fato de a palavra "margarina" ser bem mais discreta do que a letra "T", de "transgênico", que o fabricante é obrigado a imprimir dentro de um triângulo amarelão para avisar que usa soja geneticamente modificada.
Para se diferenciar de vez das outras margarinas, a "plant butter" usa uma velha estratégia do mercado de artigos para a classe A: joga o preço lá nas alturas. No mesmo balcão refrigerado, a Doriana comum custava R$ 9,49 contra R$ 14,89 da irmãzinha vegana. Para os mesmos 500 gramas, a margarina vegana é 57% mais cara.
Enquanto houver otários que comprem tais produtos, os espertalhões que os criam nunca vão perder dinheiro.
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