Cozinha Bruta

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Descrição de chapéu Barbie

O acarajé da Barbie contra a patrulha reacionária das baianas

Travestida de resguardo da tradição, gritaria contra o acarajé cor-de-rosa é mero corporativismo

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São Paulo

Nesta semana, o troféu "Fiscal de Fiofó Alheio" vai para a Associação Nacional das Baianas de Acarajé, Mingau, Receptivo e Similares (Abam).

A guilda das baianas manifestou veemente repúdio à iniciativa de Adriana Ferreira dos Santos, dona do Acarajé da Drica, de vender o bolinho tingido de cor-de-rosa –o acarajé da Barbie– no solo sagrado de Salvador.

"Ressaltamos que o ACARAJÉ [assim mesmo, gritando] possui especificidades invioláveis e segue preservado como Patrimônio Cultural Imaterial e salvaguardado por nós, logo, é inegociável que suas características sejam alteradas", diz o comunicado da Abam no Instagram.

Acarajé da Barbie, com massa tingida de cor-de-rosa, vendido no Acarajé da Drica, em Salvador
Acarajé da Barbie, com massa tingida de cor-de-rosa, vendido no Acarajé da Drica, em Salvador - Reprodução/Instagram

Rita Santos, presidente da entidade, diz que Drica só se preocupa em ganhar dinheiro, sem observar as tradições culinárias e religiosas. E se for? Qual é o problema? É proibido? O que dona Rita tem a ver com isso?

Que as associadas da Abam prossigam com seu trabalho, sem dúvida louvável, de preservar a herança afro-brasileira dos tachos de acarajé.

E que a Drica e qualquer outra pessoa possam fritar em paz acarajé fúcsia, verde ou azul-cobalto. Se não gosta, é só não comprar.

Essa onda da Barbie é, de fato, irritante. Eu me incomodo com a adesão voluntária de tanta gente a uma campanha publicitária colossal. Sou rabugento e meio velho, mas acho graça de quem vê perigo na maré pink.

O acarajé da Barbie não ameaça tradição alguma. Daqui a uma semana ou duas, ninguém vai se lembrar dele. Ou talvez alguém se lembre, já que Rita trabalhou com afinco na sua divulgação.

As baianas sindicalizadas imputam a Drica o papel de herege, algo injusto e cruel.

Já faz tempo que o acarajé transcendeu a esfera da comida ritual. Continua lá, mas também ocupa espaços totalmente mundanos. Botecos, para dar um exemplo.

Onde estava a patrulha da Abam quando inventaram o acarabúrguer? E o acarachurros? E o acaramaki? Alguém lá foi torrar a paciência do chef que serve miniacarajés com vatapá de baru do cerrado?

Travestido de resguardo da tradição, o repúdio das baianas oficiais ao acarabarbie é mero corporativismo. A presidente Rita enche a boca para dizer que Drica vende "bolinho de feijão", algo indigno de ser chamado de acarajé.

Está no mesmo balaio do napolitano que quer ditar ao mundo o que é pizza. Do sushiman que esconde o shoyu da clientela, para protegê-la de cometer atrocidades contra o arroz.

Essas pessoas agem como se a tradição já tivesse nascido pronta e imutável. Fico pensando no primeiro italiano que resolveu juntar espaguete e tomate, o quanto esse infeliz deve ter apanhado.

Preservar a tradição é top demais. Criticar a ruptura é legítimo. Trabalhar para tolher a invenção é reacionário.

Assim, as baianas do acarajé estão de mãos dadas com o fundamentalismo cristão que acusa o filme de Barbie de corromper valores, hum, inegociáveis.

Por fim, deixo uma modesta sugestão à Drica do acarajé. Servir o acarajé da Barbie com camarão ROSA (sim, gritando). Vai super agregar valor.

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