Cozinha Bruta

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Descrição de chapéu alimentação JBS

JBS versus a padaria da esquina

Titã corporativo controla criação, abate, distribuição e venda ao consumidor: é uma sentença de morte para o comércio familiar

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Atibaia

Para quem vem de São Paulo, o bairro Portão é o primeiro do município de Atibaia, logo após a divisa com Mairiporã. Ele fica a pouco mais uma hora de carro da praça da Sé –a rapaziada leva mais tempo para ir de Santa Cecília ao festival The Town.

O bairro Portão, não obstante, transborda caipirice.

Sua rua principal enfileira meia dúzia de lojas de coisas para sítio: ferramentas de roçar e de carpir, fertilizantes, cloro para piscina, ração de cachorro. A rua cheira a ração de cachorro.

Frangos num forno giratório
A JBS, maior processadora de carne do mundo, controla toda a cadeia do frango assado: desde a ração do pintinho até a popular televisão de cachorro - New Africa - stock.adobe.com

No mais, a high street do Portão é ocupado pelo comércio pequeno, típico do interior. A lanchonete do Gordo, o açougue Frigo Carnes, a farmácia Avenida, a tabacaria Manhattan e a papelaria Magia.

Sábado passado, entrei no supermercado Big –uma rede atibaiense com tentáculos em Bragança Paulista– e me deparei com um forno giratório de assar frango, a popular televisão de cachorro.

Nada de mais, não fosse o fato de o forno ostentar uma enorme placa da Seara, anunciando um certo "frango de padaria".

Seara é uma marca da JBS, a maior processadora de carne do mundo, com unidades em duas dezenas de países.

O titã corporativo resolveu competir com a padaria da esquina. Decidiu concorrer com os assados Bela Vista, ali mesmo no Portão, operação precária instalada na garagem de uma residência.

É assustador que uma única companhia controle, sem exagero, todas as etapas da produção de um frango assado. A começar pelo galinheiro.

"Nas granjas próprias da JBS, os animais são alimentados exclusivamente com rações formuladas pela própria empresa", diz o site da empresa. A JBS também detém o abate, o processamento, a distribuição e, finalmente, a televisão de cachorro.

Outra marca da JBS, a Swift, espalhou pelo Brasil lojas que vendem toda comida possivelmente congelável: carne, peixe, açaí, pizza pretensamente artesanal, sopa, arroz, feijão, ravióli, pão de alho, coxinha, além de farofa, cerveja e charque.

Prático demais. Mas tentemos olhar sob outro prisma.

Para pequenos negócios, é impossível coexistir com uma empresa que controla a cadeia completa. A operação verticalizada, algo viável apenas para o dinheiro graúdo, corta custos e força de trabalho.

Em português claro, significa menos empregos e preços que o empório da Madá nunca poderia oferecer. A padaria do Manuel vai fechar para dar lugar a uma loja Swift. O minimercado do Chang vai ser reinventado como Oxxo. A farmácia do Kazuo vai virar Droga Raia.

Loja Oxxo em São Paulo
Loja Oxxo em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

Tá se lixando e andando para o impacto social, desde que possa comprar todo o churras no mesmo lugar? Então preste atenção ao seu redor.

Os bairros ficam todos iguais. As cidades ficam todas idênticas. São Paulo, Atibaia, Brasília, Salvador, Fortaleza.

Você voa 3000 km, chega a um lugar que nunca visitou antes e encontra o mesmo deserto anódino e asséptico que tem ao lado de casa. E ainda pode dar o CPF para desfrutar das ofertas do cartão-fidelidade.

É muito mais do que entediante ou chato. É a morte em vida.

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