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De Grão em Grão - Michael Viriato
Michael Viriato
Descrição de chapéu Banco Central

A garantia do FGC é suficiente para proteger seus investimentos?

A modernização do FGC agilizou o pagamento de beneficiários em caso de falência de bancos

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Com as recentes sanções aos bancos russos, devido ao conflito com a Ucrânia, foram reportadas corridas bancárias naquele país. Vídeos mostram filas enormes de poupadores tentando sacar seus recursos nos bancos russos. Nestes momentos, sempre surgem dúvidas se os pequenos poupadores brasileiros realmente estariam protegidos pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Para responder a esta dúvida, conversei com o CEO do FGC, Daniel Lima.

Daniel Lima, CEO do Fundo Garantidor de Crédito (FGC).
Daniel Lima, CEO do Fundo Garantidor de Crédito (FGC). - Luciana Aulicino

Criado em novembro de 1995, o FGC não é uma instituição financeira como muitos imaginam, tampouco uma instituição pública. Ele é uma associação civil, sem fins lucrativos, com personalidade jurídica de direito privado.

Conforme a resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) de agosto de 1995 que criou o FGC, ele é uma "entidade privada, sem fins lucrativos, destinada a administrar mecanismos de proteção a titulares de créditos contra instituições financeiras".

Sua receita provém das instituições associadas que pagam um pequeno percentual sobre o valor dos produtos que estão sob a garantia.

No final de 2017, houve um aumento da garantia coberta pelo FGC. Ela passou para R$ 250 mil por emissor e por CPF, de R$ 70 mil, anteriormente. Mas não são todos os produtos financeiros que estão cobertos pela garantia. Basicamente, são alguns produtos bancários como: depósitos em conta corrente, poupança, CDB, LCI, LCA, LC e LH.

A dúvida sobre a capacidade do FGC de garantir o seguro surge porque o montante sob garantia nestes produtos ultrapassa R$ 1,7 trilhão, enquanto seu patrimônio para garantir este valor é de menos de R$ 100 bilhões.

O raciocínio simplista de comparar estes dois valores e concluir algo não faz sentido.

O seguro é pago pelos próprios beneficiários, ou seja, nós. Assumir que os dois valores deveriam ser iguais, seria similar a acreditar como razoável você pagar um valor de prêmio de seguro para seu carro um montante próximo ao próprio valor do carro, pois só assim a seguradora teria todo o valor disponível, caso ocorresse algo ao seu carro. Esse raciocínio não faz sentido, mas é repetido em mídias sociais por supostos especialistas.

Abaixo transcrevo a entrevista que fiz com o CEO do FGC, Daniel Lima. Lima fala de vários pontos interessantes como a garantia, qual o processo até pagar a garantia, a redução do tempo para recuperar o valor em caso de falências e da possibilidade de aumento do valor garantido.

Traders trbalhando na New York Stock Exchange (NYSE) . REUTERS/Brendan McDermid ORG XMIT: PPP - NYK507 - REUTERS

1- Alguns influenciadores nas mídias sociais colocam dúvidas sobre a real capacidade do FGC de prover garantia no sistema brasileiro em caso de crise. O que é possível afirmar para tranquilizar os pequenos investidores quanto a capacidade do FGC de prover a garantia?

Esse é, realmente, um tema que inspira cuidados e atenção constante. A resposta curta é:

o patrimônio do FGC, superior a R$ 90 bilhões, é suficiente para enfrentarmos cenários severos de instabilidade do Sistema Financeiro Nacional.

O FGC existe desde 1995 e, em todo esse tempo, tivemos diversos casos de liquidação de bancos e de financeiras. Em nenhum desses episódios qualquer beneficiário da cobertura, devidamente identificado pelo liquidante, deixou de ser pago. A história do FGC mostra que o fundo é confiável e robusto o suficiente para cumprir a sua função social.

Já a resposta mais longa envolve entender a razão pela qual algumas pessoas fazem esse tipo de confusão, atualmente, com frequência bem menor do que acontecia há poucos anos. Precisamos entender as situações nas quais os recursos do FGC serão demandados para podermos avaliar se as reservas são suficientes. A maior parte das pessoas que levantam esse tipo de dúvida costuma pensar na eventual liquidação de um dos grandes bancos brasileiros, o que é um cenário improvável.

E não é porque eles devam ser considerados como infalíveis. Aliás, temos um caso extremo, e esperamos que nunca seja aplicável ao contexto brasileiro, do maior banco russo estar sofrendo com corridas bancárias nesse momento, o que deve nos alertar que as coisas podem mudar.

Mas, o ponto que faço é que o tipo de tratamento que seria dado nesse caso seria alguma forma de transferência de controle do banco.

Ou seja, envolveria algum tipo de solução que resultasse na continuidade dos negócios, por uma nova administração. E isso porque a experiência acumulada com as crises que levaram à liquidação de instituições financeiras de grande porte no mundo nos ensinou que é esse o tipo de solução socialmente mais barata para esses casos, pois sua quebra costuma levar a uma relevante desarticulação nos demais setores da economia.

Em outras palavras, a quebra de um banco sistemicamente importante resulta em prejuízos para além de seus acionistas e clientes. Diversos atores da cadeia produtiva são negativamente impactados. Por exemplo, determinadas empresas podem perder suas linhas de crédito e eventualmente falirem. Consequentemente, seus trabalhadores perderiam seus empregos. Voltando ao caso do banco russo, optou-se pela solução de continuidade para as subsidiarias da Eslovênia e da Croácia, enquanto que para a subsidiária na Áustria a solução deverá ser a liquidação ("Bank recovery and resolution: European Commission approves resolution schemes for the Croatian and the Slovenian subsidiaries of Sberbank Europe AG").

Tendo em vista ser geralmente mais apropriada uma solução de continuidade de negócios para as intervenções em bancos de grande porte, a reflexão sobre a solvência do FGC recai naturalmente sobre os demais casos. E para esses nossos estudos mostram que temos um nível de reservas bastante robusto parar enfrentar aos riscos prospectivos identificados para o sistema.

2- Na crise financeira de 2008 os governos de alguns países se colocaram como financiadores dos respectivos fundos garantidores para solidificar ainda mais a garantia destes mecanismos. Essa é uma prática comum?

Aqui estamos falando da disponibilidade de linhas de crédito emergenciais para o FGC, incluindo linhas com o governo, conhecido como backstop.

A sua importância decorre do aumento da confiança das pessoas no mecanismo de proteção. Já a sua efetividade, traduzida em agilidade e potência da atuação do fundo garantidor, depende da sua inclusão no arcabouço regulatório. Trata-se de um princípio básico já bem difundido entre os especialistas (Core Principles, editado pela Associação Internacional de Seguradores de Depósitos – IADI, da qual o FGC é associado e membro do seu Conselho Executivo), mas que ainda carece de debate político para ser implementado de forma generalizada.

A crise de 2008, sem dúvida, gerou impulso político para reformas regulatórias que avançaram nessa direção em diversos países.

No caso brasileiro, o assunto tem sido discutido faz alguns anos e, fruto desse debate, existe um projeto de lei encaminhado pelo Banco Central do Brasil (BCB) para aperfeiçoar o arcabouço regulatório que usamos para lidar com falhas bancárias.

Esperamos que o projeto seja bem recebido, pois com ele iremos modernizar substancialmente a nossa regulamentação, incorporando, da forma mais adequada ao contexto jurídico brasileiro, ferramentas de sucesso testadas internacionalmente.

Obviamente o sistema bancário fica encarregado de pagar esse empréstimo contraído pelo fundo garantidor, por meio do recolhimento de contribuições que serão repassadas ao governo ao longo do tempo. A ideia é que a conta, no final do dia, não sobre para o pagador de impostos.

Traders trabalhando na New York Stock Exchange (NYSE). Spencer Platt/Getty Images/AFP - AFP

3- Como fica a questão de moral harzard (risco moral, em inglês) de investidores aplicarem em instituições com pior qualidade de crédito para ter maior rentabilidade sem se preocuparem com eventual quebra?

A questão do risco moral é complexa e inerente a todo mecanismo de proteção, pois os agentes terão incentivos para aceitar mais risco do que normalmente aceitariam se tivessem que suportar sozinhos esses riscos. É como no exemplo clássico: o indivíduo contrata um seguro contra roubo de seu carro e passa a estacionar o carro na rua com o vidro aberto.

Como coibir esse tipo de atitude?

Se a pessoa tiver de pagar uma franquia alta em caso de sinistro, provavelmente ela vai continuar fechando a janela.

Trazendo esse raciocínio de volta aos fundos garantidores, a grande ferramenta para gerar desincentivos a comportamentos que explorem a existência da garantia é a introdução de limites de cobertura.

Por isso temos a regra dos R$ 250 mil por CPF/CNPJ por banco e a regra do teto de R$ 1 milhão a cada 4 anos.

Em termos agregados, essa regra implica que cerca de 50% dos recursos financeiros investidos em ativos elegíveis à garantia do FGC não estão cobertos, por estarem acima dos limites estipulados.

Isso faz com que parcela relevante dos investidores, em geral aqueles com mais acesso à informação e/ou com capacidade financeira para contratar especialistas, continuem se preocupando (e muito) com a necessária análise de riscos.

Essa é a forma mais direta de atacarmos o problema de moral hazard gerado a partir da existência do mecanismo de proteção.

Daí a necessidade da existência de limites de cobertura, de forma que os efeitos indesejados do oferecimento da garantia não superem os benefícios de oferecê-la. Ainda que a existência de limites seja a forma mais direta de tratar do problema, ela não é a única.

Sem dúvida a educação financeira tem o seu papel ao conscientizar investidores para que não explorem indevidamente o mecanismo de proteção, gerando aumento de custos sociais, e ao capacitar mais pessoas para o desempenho da análise de riscos.

A intensificação da prática da análise de riscos, incluindo questões de ESG, LGPD, segurança cibernética, lavagem de dinheiro e finanças descentralizadas, entre outros fatores de risco, tornará o sistema bancário cada vez mais resiliente, transparente e eficiente.

4- A velocidade de pagamento da garantia ordinária parece ter se reduzido. Existe alguma meta de velocidade de pagamento da garantia?

Que bom que na sua pergunta você já trouxe a grande conclusão: hoje o processo é bem mais rápido do que era no passado. Os princípios básicos do IADI desafiam os Fundos Garantidores a realizarem os pagamentos em até 7 dias. Cada país enfrenta desafios importantes para atingir essa meta. No caso brasileiro precisamos separar o processo de pagamento em duas etapas para entender bem os nossos desafios.

Fachada do Banco Central do Brasil, Brasília. O Banco Central do Brasil é uma autarquia federal integrante do Sistema Financeiro Nacional, sendo vinculado ao Ministério da Economia. ( Foto: Leonardo Sá/Agência Senado)

5- Quais são estas etapas e seus prazos até o pagamento da garantia? Por que antes demorava mais e agora está mais rápido?

Quando uma Associada (instituição financeira) tem sua liquidação decretada pelo BCB, um liquidante é nomeado. Esse agente será responsável por compilar a lista de beneficiários das garantias do FGC. Para tanto ele vai enfrentar questões operacionais. Quanto melhor organizadas forem as bases de dados da instituição liquidada, mais rapidamente o liquidante poderá passar para o FGC a lista de beneficiários.

Temos investido em sistemas que irão padronizar a forma como os registros são armazenados dentro das entidades. Com isso acreditamos que essa primeira etapa do processo possa ser cumprida em até 5 dias.

Hoje essa primeira etapa leva aproximadamente 3 semanas para ser realizada. Estamos confiantes que os sistemas que disponibilizaremos serão efetivamente utilizados, pois embora o FGC não tenha poder de supervisão, contamos com o apoio do BCB para perseguirmos esse objetivo.

Essa etapa já levou meses e cabe destacar aqui o papel do BCB nessa redução do prazo dessa primeira etapa do processo. Com o aumento das exigências e a intensificação da fiscalização, as bases de dados de todas as instituições financeiras se tornaram mais bem estruturadas, o que também facilita a tarefa do liquidante.

A segunda etapa do processo começa quando o FGC recebe a lista. Até setembro de 2020 o pagamento era realizado mediante o comparecimento da pessoa em uma agência bancária, pois era preciso que ela assinasse a via física do termo de cessão de crédito ao FGC. O tempo médio para organizar a logística do pagamento era de aproximadamente 3 semanas.

Cabe explicar o porquê do FGC precisar desse termo. A razão é que quando o FGC paga a garantia, ele "substitui" o cliente do banco no processo de recuperação de créditos. Esses créditos recuperados passarão a constituir o patrimônio do FGC, reduzindo parcialmente o custo de constituição de reservas por meio das contribuições pagas pelas Associadas.

Isto é importante porque essa recuperação ajuda na redução do spread bancário, uma vez que o custo do FGC impacta tanto a rentabilidade dos produtos garantidos (o investidor recebe uma rentabilidade menor), como o custo pago por quem toma recursos emprestados (o devedor paga uma taxa de juros maior).

Mas, voltando ao tema do prazo.

Com o aplicativo do FGC, disponível para Pessoa Física nos sistemas iOS e Android, o FGC inicia a segunda etapa do processo de pagamento em apenas 2 dias. E é por isso que, como você bem observou, o prazo de pagamento caiu sensivelmente ao longo do tempo. Em 2022 lançaremos o aplicativo para Pessoa Jurídica MEI.

6- A última alteração de valor da garantia ordinária do FGC de R$ 250 mil ocorreu em 2013. Existe alguma métrica de tempo, inflação ou balanço para atualização deste valor?

Não existe uma métrica ou um critério definido em nossa legislação que leve à correção dos valores dos limites.

Fato é que 99,7% dos saldos dos depósitos e dos investimentos garantidos são totalmente cobertos pelo limite em vigor, enquanto 50% dos valores financeiros dos produtos elegíveis estão cobertos.

Fazendo uma relação com a pergunta sobre moral hazard acima e com as estatísticas de outros países, nos parece que os limites estão bem calibrados para a realidade brasileira.

Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor

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