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Luiza Pastor
Descrição de chapéu

Os "quatro sem juízo" que desbravaram a Serra Fina

Físico neozelandês Peter Barry conta como foi abrir a trilha mais desafiadora do país

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A travessia da Serra Fina, trecho de 30 quilômetros da serra da Mantiqueira entre São Paulo e Minas Gerais que inclui a cobiçada Pedra da Mina, quarta montanha mais alta do país, com 2.798 metros de altitude, é uma das trilhas mais famosas e tecnicamente exigentes do Brasil. Seu trekking ficou quase dois anos fechado após a área ser atingida por um incêndio florestal, em 2020, que destruiu 600 hectares de vegetação nativa. A trilha foi reaberta nesta temporada de inverno, em junho passado, mas só deve estar disponível para visitação até o início de outubro próximo, segundo informou ao site Alta Montanha a Associação dos Proprietários da Serra Fina, que reúne os donos de terrenos que dão acesso à região. O motivo? Garantir que incautos se aventurem por seus caminhos na época em que fortes tempestades são frequentes, tornando o trekking uma empreitada mais perigosa do que o habitual. A área só deve ser reaberta à visitação no final de março de 2023.

Travessia da Serra Fina rumo à Pedra da Mina, na serra da Mantiqueira - Hugo de Castro Pereira/Divulgação

Se hoje a Serra Fina é carimbo obrigatório na carteirinha de montanhista raiz, não custa lembrar que o percurso que hoje é percorrido em quatro dias só foi demarcado em período relativamente recente, ao longo de 12 anos —de 1971 a 1983— de esforço de quatro homens que o último remanescente, Peter Barry, definia como "os quatro sem juízo": além dele, o alemão Adalbert Kolpatzik, o mineiro Galba Athayde e o polonês Michel Bogdanowicz, que morreu no último dia 16 de agosto.

Michel Bogdanowicz, montanhista do grupo que abriu a trilha da Serra Fina, na serra da Mantiqueira, falecido em 16 de agosto passado - @clube Alpino Paulista no Instagram

"Achávamos estranho que, mesmo sendo tão visível, tanto de Itatiaia quanto do Vale do Paraíba, não houvesse exploração naquelas montanhas àquela época", lembrou Barry, "Foram 14 saídas feitas em feriados prolongados até completarmos a travessia", lembrou o físico neozelandês Barry, 80, em palestra realizada em 24 de agosto para homenagear o colega de 40 anos de empreitadas, no CAP (Clube Alpino Paulista). Não custa recordar a quem nunca viveu o mundo sem celular que na época não havia GPS, Google Maps nem nada semelhante. Na verdade, nem mapas da região estavam disponíveis. "Quando completamos a travessia de todo o alto da Serra Fina, tivemos que marcar tudo de novo, porque havíamos aberto o caminho a facão, e ao longo daquele tempo ele já havia se fechado outra vez", explicou Barry.

Peter Barry, montanhista neozelandês, último sobrevivente do grupo que demarcou a trilha da Serra Fina, na serra da Mantiqueira - @clube Alpino Paulista no Instagram

Para se orientarem, eles iam deixando totens de pedras pelo caminho. "Há um ditado neozelandês que diz que na subida, todas as vias levam ao topo, mas na descida cada uma leva a uma base diferente", lembrou Barry em sua fala. Em miúdos, isso significa que a navegação para baixo é sempre mais difícil, porque a pessoa perde os picos como pontos de referência. Aquela história de que para baixo todo santo ajuda, em montanha, definitivamente não procede. Quem duvidar que pergunte a seus joelhos.

Três montanhistas sentados na Serra Fina
Adalbert Kolpatzik (camisa rosa), Michel Bogdanowicz (no centro) e Jerzi Piotrowsky, tio de Bogdanowicz, numa das primeiras expedições à Serra Fina - Peter Barry/Acervo pessoal

Barry destacou que, no começo, ele não via a empreitada como algo a ser documentado, por isso não se preocupou em fazer registros e desenhos de referência. "A falta de visão do contexto de exploração no começo foi um erro da minha parte", reconheceu ele ao blog, explicando que, como as saídas eram esporádicas, considerava "cada investida como evento isolado". Só com o tempo, "com saídas mais frequentes, cheguei a perceber a extensão do projeto e registrar melhor, até que hoje tenho ideia clara do que fizemos e os locais que exploramos", acrescenta.

Embora relute em falar de si próprio, Barry admite que se considera "privilegiado de ter estado no lugar certo na época certa". E que bom que ele esteve lá!

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