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Luiza Pastor
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escalada

Montanhismo pede responsabilidade, diz presidente do Clube Alpino Paulista

Explosão do turismo de aventura descontrolado preocupa os pioneiros

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Desde que começamos a publicar este blog, repetimos muitas vezes que o turismo de aventura pode ser para todos, de um jeito ou de outro. Mas buscamos também alertar os incautos para a importância da segurança, sempre, e em todas as atividades —sejam caminhadas pela praça mais próxima ou subidas ao Everest. E é essa uma das principais preocupações da maioria dos pioneiros que têm muito perrengue para contar. Gente como Fábio Alberti Cascino, 61, educador paulistano que preside o CAP (Clube Alpino Paulista), uma das mais antigas instituições de formação e divulgação do montanhismo no Brasil, fundado por Domingos Giobbi em 1959.

"O CAP nasceu como um grupo de pessoas que buscava abrir rotas e trilhas, coisas que praticamente não existiam no Brasil nas décadas de 1950 e 1960", conta Cascino. Essas pessoas, em sua maioria, tinham experiência de montanhismo na Europa, de onde se originou o nome "alpino", mesmo que atônica seja, no máximo, os Andes dos países vizinhos, e não a cordilheira dos Alpes europeus. "Podia soar esnobe, mas era o espírito que guiava o projeto", acrescenta.

Fábio Alberti Cascino, presidente do Clube Alpino Paulista, de blusa azul
Fábio Alberti Cascino, presidente do Clube Alpino Paulista, em expedição ao vulcão San José, no Chile - Acervo pessoal

"A partir da abertura das importações nos anos 1990, começaram a entrar equipamentos que antes não tínhamos por aqui, e foi quando começou a explosão de gente praticando montanhismo", lembra ele. Mesmo com o aumento exponencial do interesse pela atividade, o clube sempre se manteve com um número reduzido de sócios. "Hoje temos apenas 45 associados, pois o número está sempre ligado a nossa capacidade de formar pessoas, que é o foco do CAP", explica.

Esse foco se traduz na missão do clube, que é a formação de novos montanhistas, instrutores e guias; exploração e abertura de vias e trilhas; conquista de cumes no Brasil e no exterior e conservação, preservação e promoção do acesso livre às montanhas e seus ambientes.

O que preocupa o pessoal mais experiente, diz Cascino, é o fato de o fácil acesso a equipamentos modernos dar a impressão a muitos desavisados de que se encher de traquitanas variadas e de última geração é suficiente para sair por aí rumo às trilhas e montanhas mais técnicas, muitas vezes sem guias qualificados para a empreitada. Daí a arrumarem problemas é só um passo em falso.

Além da corrida para a natureza gerada como resposta ao confinamento dos meses do auge da pandemia de Covid-19, "há um movimento ideológico, que é da essência do capitalismo, que inclui a exploração pela mídia da promoção do conceito da 'aventura de viver'", conta ele. "Nesse conceito, se martela a ideia de que, para sobreviver, a pessoa tem sempre que estar se jogando em alguma aventura, que viver é correr riscos constantemente, é um marketing que nasceu como uma postura empresarial, mas que acaba empurrando as pessoas para isso também na natureza", argumenta.

Para ele, a sorte dessa multidão que se joga de cabeça sem saber direito aonde vai parar é que o meio ambiente brasileiro não tem extremos. "Aqui não vamos ter avalanches de neves, nem de grandes rochas soltas, no máximo, se a pessoa se perder, vai passar uma noite de muito frio e ser resgatada no dia seguinte, com raras exceções", avalia. Como exemplo de perigo provocado pela ignorância, Cascino lembra o caso do autodenominado "coach e influencer messiânico" Pablo Marçal (hoje candidato a presidente pelo Pros), que inventou de levar um grupo de 67 pessoas inexperientes ao pico dos Marins, em pleno mês de janeiro, temporada de chuvas fortes na região, desafiando a ira dos elementos com uma arenga de fundo religioso e platitudes motivacionais.

O coach motivacional Pablo Marçal, discursando a um grupo inexperiente que levou ao pico dos Marins, no interior de São Paulo - Reprodução

Para evitar tragédias maiores e despesa inútil a equipes de resgate ("Uma hora de helicóptero para resgate no alto de uma montanha não sai por menos de R$ 10.000", aponta), Cascino defende um maior diálogo entre empresas, guias, montanhistas, gestores das áreas-alvo e parques e o Estado, para definir limites e regras para a atividade, mas sem engessamento. "Já tentaram até aprovar leis no Congresso para regulamentar a atividade com exigências absurdas, mas isso não é viável e conseguimos derrubar", lembra.

Cascino ressalta ainda que é fundamental sempre ter em mente que montanhismo é uma atividade que envolve riscos. "Exigir seguro de quem vai entrar em uma área de montanha é uma forma de fazer a pessoa pensar duas vezes que pode estar se metendo em algo que não é de sua alçada", explica. Além disso, ele cita a importância de se lembrar ao candidato a aventureiro que ele tem que saber usar os equipamentos certos, ter preparo físico adequado àquela atividade e, principalmente, detalhar a ele os perrengues envolvidos.

Como se vê, algo que parece muito óbvio e tão somente uma questão de bom senso. Só que esse, o leitor bem sabe, não vem incluído na mochila.

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