Formado em física pura e aplicada pela Unicamp (Universidade de Campinas) e tendo começado a carreira profissional em um acelerador de partículas, Roman Romancini, 47, é, ele mesmo, um cidadão acelerado. Praticante desde cedo de esportes que vão da natação ao triatlo, do snowboard ao ciclismo e, daí, ao montanhismo, o executivo de tecnologia da informação, hoje CEO da Mobicare/Akross, que viveu e trabalhou em vários países, é um sujeito determinado e cheio de planos.
Depois de ficar, em 2011, quase um ano no estaleiro devido a um atropelamento que os médicos achavam que o deixaria, no mínimo, mancando para o resto da vida, e de superar uma trombose e um câncer que se assanhou em pleno processo de recuperação física do acidente, esse brasiliense foi o 18° brasileiro a escalar o Everest, no Nepal, justamente naquela temporada em que a foto da fila absurda de montanhistas no acesso ao cume impressionava o mundo.
E se é cada vez mais frequente mostrarmos brasileiros que foram lá e cumpriram a meta de escalar a montanha mais alta do planeta, com seus 8.849 metros, é menos comum alguém confessar que sua escalada, no dia 16 de maio de 2018, começou sete anos antes, dentro de uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva), "com o corpo anestesiado, a mente dopada e uma perna 20 centímetros mais comprida que a outra".
A história de Romancini, contada por ele e o parceiro Rafael Duarte no livro "Além dos Sonhos — Da Cama ao Cume, a História do Homem que Desafiou o Impossível", que está sendo lançado pela editora Valentina, pode se resumir em um de seus mantras favoritos: "Sonhe alto, comece devagar e escale depressa". O relato, que foge das armadilhas de epifanias e revelações espirituais de muitos livros do gênero, mostra um lado pouco conhecido do montanhismo mais extremo: a administração dos conflitos que surgem entre atender ao chamado das montanhas e a dor de deixar para trás a família agoniada que nem sempre entende o que sua esposa, a odontopediatra Daniela Romancini, 47, que prefacia o texto, chama de "defeito de fábrica" —o tesão pelo próximo desafio à frente (ou, no caso, acima, embaixo, e até dentro d'água).
O relato de sua jornada de montanhista é daqueles que não se consegue largar da primeira à última página. Ele conta de forma leve e com detalhes nítidos os muitos perrengues envolvidos não só em cada conquista, como também na frustração daquelas tentativas que acabam tendo que ser abortadas por motivos os mais variados, como um erro de cálculo, um piriri fora de hora ou uma surpresa meteorológica.
A montanha, sabe-se, tem seus caprichos. Muitas vezes, custam a vida do montanhista mais experiente, como a do seu amigo e parceiro de muitas jornadas Vitor Negrete, que morreu em 2006, horas depois de se tornar o primeiro brasileiro a escalar o cume pela face norte da montanha e sem o auxílio de tubo de oxigênio suplementar. É a ele que Romancini dedica muitos de seus passos a caminho do topo do mundo, inclusive a subida ao Ama Dablan, montanha de 6.812 metros considerada a mais bela da cordilheira do Himalaia e que foi o primeiro brasileiro a escalar.
Entre as frustrações narradas pelo autor, está ter que desistir de completar os 6.194 metros do monte Denali (ou McKinley), no Alasca, quando faltavam apenas 20 metros para o topo. A montanha, que faz parte dos "Sete Cumes", o conjunto das maiores montanhas de cada continente, o recebeu com fortes rajadas de vento que forçaram o grupo a voltar sob o risco de ser arrancado pelos ares. "A única coisa que eu pensava era 'O que eu preciso fazer para não sair voando?'", conta Romancini, que desembestou montanha abaixo tão logo o tempo deu uma breve trégua, não sem quase literalmente despencar por um abismo ao ser puxado no caminho por uma colega que escorregou.
"Essa expedição me trouxe grandes lições que também aplico na minha vida profissional, sendo a mais importante a do discernimento. Por mais paradoxal que pareça, eu percebi que o meu maior objetivo de escalar uma montanha é chegar de volta em casa. O cume é só a metade do caminho", relata Romancini, que resume essa experiência como "o sucesso da derrota".
Se a subida ao emblemático Everest já foi cumprida (embora pretenda refazê-la no inverno), a do Denali ainda está na lista de planos de Romancini. Ele conversou com o blog enquanto se prepara para completar o que chama de "True Explorer Grand Slam", ou grande circuito do verdadeiro explorador, que inclui, além dos sete cumes (Everest, 8.844 metros, na Ásia; Aconcágua, 6.962 metros na América do Sul; Denali, 6.194 metros, na América do Norte; Kilimanjaro, 5.895 metros, na África; Elbrus, 5.642 metros na Europa; Vinson, 4.892 metros, na Antártida; e Kosciuszko, 2.228 metros, na Austrália, dos quais já fez cinco, mas "só" quatro no inverno, como pretende, para complicar um pouco as coisas), as 14 montanhas com mais de 8 mil metros (dessas faltam 13) e os polos norte, sul e de altitude —este último, considerado justamente o Everest, ou seja, tá quitado, mas falta voltar no inverno (sim, ele pretende voltar para lá). De quebra, vai incluir na lista o projeto "Sete mares", que prevê completar uma ultramaratona (100 quilômetros) de natação em cada porção de água ao redor do planeta. É acelerado que disse? Pois então.
"É um projeto de vida onde o mais difícil é sempre sair de casa", admite ele, pai de dois filhos (Giulia, 18 e Vitor, 14) que acompanham ao lado da mãe cada jornada. "É dolorido demais partir e deixá-los para trás, com eles fica a parte mais difícil", conta, explicando que, depois de o sinal de seu equipamento de geolocalização ter falhado no meio do acesso ao cume do Everest, indicando à família uma possível queda, precisou rediscutir a relação e ajustar o diálogo ao chegar em casa, no Rio de Janeiro. "Havia muita coisa a conversar, digerir, redefinir", explica.
A julgar pelos planos de Romancini, assunto para DR é o que não vai faltar pelos próximos anos para o casal.
Serviço
Além dos sonhos - Da cama ao cume: A história do homem que desafiou o impossível", 176 págs Autores: Roman Romancini e Rafael Duarte Editora Valentina
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