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É Logo Ali - Luiza Pastor
Luiza Pastor
Descrição de chapéu

Brasileira cumpre meta e percorre, sozinha, mais de 200 quilômetros do Himalaia

Sem guia, Thais Cavicchioli Dias leva suas pérolas ao Nepal e se aproxima do Everest

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À primeira vista, a paulistana de cabelo vermelho Thais Cavicchioli Dias, 34, pode até parecer uma pessoa frágil, com seu sorriso de menina, longo vestido florido e o colar de pérolas que é sua marca registrada.

Mas é essa mulher de 1, 65m que aos 25 anos já era formada em Relações Públicas pela USP (Universidade de São Paulo), pós-graduada em Marketing pela ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e dona de um MBA pela FGV. Ela acaba de retornar do Nepal depois de realizar o projeto que planejou por mais de cinco anos: percorrer completamente sozinha e carregando a própria mochila de 16 quilos, mais de 208 quilômetros, atravessando três passos e três acampamentos base acima dos 5.000 metros de altitude, nas montanhas do Himalaia.

Thais Cavicchioli Dias, no acampamento base do Everest, no Himalaia - Thais Cavicchioli Dias/Arquivo Pessoal

Não, seu objetivo não era escalar o Everest, assegura ela, que tem alguma experiência em escaladas, mas não o bastante —não ainda, pelo menos. Nem se deslocou para o outro lado do mundo por qualquer motivo daqueles que montanhistas tradicionais invocam para explicar por que se metem em enrascadas nos pontos mais altos do planeta, como o desafio de chegar mais alto, o de cumprir meta de cumes ou coisa parecida. Questionada sobre o que exatamente buscava em sua jornada, ela responde apenas: "Queria saber como me sentiria estando lá".

E o que sentiu de volta dessa intensa jornada? "Na verdade, não voltei, porque a pessoa que foi não é mais a que está aqui", explica com um sorriso, admitindo que, embora não seja uma pessoa religiosa, retornou altamente espiritualizada e convencida de que "em outras vidas" foi um monge budista.

Se o lado espiritual foi estimulado, o lado de gestora pragmática e detalhista não ficou atrás. Sem patrocínio outro que suas economias e contando apenas com o prazo de um mês de férias na empresa em que trabalhava, planejou cada passo nos mínimos detalhes e com muitas planilhas. De ponta a ponta de sua jornada, diz, o investimento total foi de R$ 30 mil. A título de comparação, a contratação de um pacote de subida ao Pico da Neblina, no Brasil, não sai por menos de R$ 20 mil, sem contar a passagem aérea até Manaus.

Ao fundo, a vista da montanha Ama Dablan, na cordilheira do Himalaia - Thais Cavicchioli Dias/Arquivo pessoal

Boa parte da economia, explica ela, veio justamente de ter feito questão de não viajar em grupo, com alguma das milhares de agências que levam turistas do mundo todo anualmente para a região. "Cansei de ver pessoas tendo problemas físicos porque tinham um prazo apertado para cumprir no ritmo do grupo, que não se adaptava à sua capacidade, e esse foi um dos motivos de querer ir sozinha, fazer a minha jornada pessoal, no meu limite, no que desse para fazer", conta.

O primeiro passo para essa jornada foi assegurar-se de que teria condições físicas para encarar a empreitada. "Isso vai muito além de fazer um check-up, como algumas agências especializadas em aventuras pedem", explica ela, "porque o check-up apenas mede o momento". Durante a preparação, descobriu que tinha pressão alta e um desequilíbrio no quadril.

Ela se preparou, então, ao longo dos últimos anos com a ajuda de uma equipe multidisciplinar com conhecimentos de montanha que incluía a clínica geral do esporte Cristina Casagrande, a dentista especializada em barodontalgia (problema provocado por extremas mudanças atmosféricas, como as grandes altitudes) Maria Helena Zucaro e o nutricionista Homero Munaretti. Ela ainda fez cursos de primeiros socorros em áreas remotas, medicina de alta montanha e até ginecologia do esporte.

"Quando você vai ficar 14 dias sem tomar banho, ser orientada para evitar infecções urinárias é muito importante, e foi a médica Fernanda Silveira de Carvalho, que também faz trilhas, que me aconselhou a usar calcinhas antibacterianas, por exemplo, que reduzem o risco desse problema tão comum quanto incapacitante nesse tipo de viagem", conta.

A recordista mundial de escaladas ao pico do Everest, Lhakpa Sherpa, ao lado de Thais Cavicchioli Dias - Thais Cavicchioli Dias/Arquivo pessoal

Thais já tinha tido experiência anterior com medicina do esporte, depois de que "um tombo besta em uma calçada de São Paulo" rompeu os ligamentos de seu joelho, obrigando-a a deixar de lado as trilhas brasileiras, que já percorria de forma independente sozinha desde 2015. Na época, foram necessários 8 meses de intenso trabalho de recuperação.

"Por causa daquele acidente, decidi motivar-me estabelecendo uma meta para minha recuperação", conta. A meta que se impôs foi completar o TMB (Tour do Mont Blanc), roteiro tradicional de 170 quilômetros e ampla variação de altitude que cruza as fronteiras de três países (França, Itália e Suíça) em torno da icônica montanha dos Alpes.

Meta dada, meta cumprida, com muito trabalho de fortalecimento muscular e, mais uma vez, muito planejamento. "Eu lia tanto de tudo o que poderia encontrar sobre a viagem que teria sido capaz de contar a história inteira sem sair de casa", exagera.

De volta ao Brasil, começou a pensar no que poderia fazer de diferente. Foi aí que começou a amadurecer a ideia de partir para o Himalaia e, principalmente, para uma montanha que lhe era muito especial: a Ama Dablan, nome que significa "Mãe e Colar de Pérolas", uma das três mais procuradas por alpinistas no Himalaia, a 6.812 metros de altitude.

O encantamento pela Ama Dablan tem a ver com a primeira expedição que Thais fez pela desafiadora Travessia Serra Fina, na Mantiqueira. Ao perguntar a um grupo de rapazes que cruzou pelo caminho se estava na direção certa, a resposta foi uma piada machista sobre o fato de estar na montanha com um colar de pérolas aparecendo em meio à poeira da roupa de trilha.

"A partir daí, entre os montanhistas, fiquei conhecida como a garota das pérolas, e muitos só me chamam de Pérola", explica ela, que desde então não tira o adereço, quase um talismã. Daí a querer conhecer a montanha ligada a seu apelido seria uma questão de tempo.

"Um dos objetivos de ir ao Nepal era ver a Ama Dablan de longe, mas ainda vou voltar para, aí sim, chegar até o cume e deixar lá uma pedrinha que peguei em seu campo base quando consegui vê-la saindo das nuvens. Era um dia em que achava que tudo tinha sido perda de tempo, estava gripada, exausta, não enxergava nada no horizonte havia seis dias, e de repente o tempo se abriu só por uma horinha, mas revelando a montanha como eu a tinha sonhado, com seu colar de pérolas formado pelo gelo logo abaixo do cume", conta, emocionada.

Naquele dia, a jornada ganhou novo fôlego, e Thais completou seu circuito, esticando a viagem até o acampamento base do Everest, que tinha sido cortado de seus planos quando passou mal e pensou em desistir, quase acionando o resgate. Ela deu uma escapada ao acampamento para levar ao amigo montanhista Tiago Toricelli, que se prepara para ir ao Everest, uma pedrinha de motivação. O que ela mais lembra é que não conseguiu dizer adeus ao Nepal —mas até logo. "Ainda vou treinar para escalar e caminhar mais no gelo, daí quem sabe eu volto."

Convém não duvidar.

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