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É Logo Ali - Luiza Pastor
Luiza Pastor
Descrição de chapéu escalada

Do hospital em Déli, escalador que caiu em fenda diz que espera voltar às montanhas

Indiano que passou três dias em buraco de 70 m fala de seus planos para retomar o esporte

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Desde que o montanhista indiano Anurag Maloo caiu numa fenda da montanha Anapurna (8.091 metros de altitude), uma das mais fatais da cordilheira do Himalaia, em 17 de abril passado, o mundo da escalada acompanha atentamente o resultado de seu milagroso resgate e a recuperação que registra dia a dia em sua conta do Instagram.

No último mês, depois de várias trocas de mensagens, ele se sentiu pronto para falar ao blog, que lhe enviou as perguntas abaixo. E foi na madrugada de uma quarta-feira paulistana, a 8,5 horas de fuso horário de diferença, que o WhatsApp apitou: era Maloo mandando suas respostas, com a voz animada de quem teimou em sobreviver três dias ao congelamento no fundo de uma fenda de 70 metros de profundidade.

Você se lembra de como foi seu acidente?
O que posso dizer, e isso só depois de ter lido na internet —porque perdi a consciência depois de cair na fenda e não recordo exatamente de como foi— é que caí porque peguei a corda errada. Havia três, quatro cordas quando eu estava descendo, me agarrei à corda errada e caí na fenda imediatamente.

O montanhista Anurag Maloo, que ficou três dias preso numa fenda a 5 mil metros na montanha Anapurna, no Himalaia, comemora seu aniversário no hospital de Nova Déli rodeado pela família
O montanhista Anurag Maloo, que ficou três dias preso numa fenda a 5 mil metros de altitude na montanha Anapurna, no Himalaia, comemora seu aniversário no hospital de Nova Déli rodeado pela família - Reprodução/Instagram

O que passou pela sua mente quando percebeu que estava caindo em vez de descer por uma corda apropriada?
Para ser bem honesto, não faço a menor ideia. Para mim, eu estava na corda em que deveria estar, porque a corda não diz se é curta ou longa, e descendo eu não conseguia enxergar. Eu achava que tinha pegado a corda longa que me levaria à base da parede.

Você se lembra do momento do impacto? Esteve consciente em algum momento após a queda?
Sobre o momento do impacto, não lembro de nada depois de bater na fenda, assim como não lembro de como foram os três dias que passei lá no fundo, nem os seis ou sete dias do período inicial de hospitalização. Mas uma coisa interessante que aconteceu foi que durante todo o tempo que estive na fenda, eu estava gravando meus vídeos na câmera GoPro. Tenho as filmagens gravadas na câmera, e por elas descobri que eu estava com alguma consciência no fundo da fenda. Adam Bielecki, o polonês que me resgatou lá do fundo, ele também comentou que, quando veio me içar, percebeu que havia movimento nos meus olhos e no peito. Ou seja, havia sinais de consciência, mas eu mesmo não lembro de nada.

Cenas do resgate do montanhista indiano Anurag Maloo, que ficou três dias em uma fenda da montanha Anapurna, no Himalaia, e sobreviveu.  À esquerda, o polonês Adam Bielecki, líder da equipe de resgate
Cenas do resgate do montanhista indiano Anurag Maloo. À esquerda, o polonês Adam Bielecki, líder da equipe de resgate. Na ponta direita, o trabalho de ressuscitação cardiopulmonar que durou quatro horas - Montagem de Aashish Maloo em Instagram

O que acha que ajudou você a sobreviver em uma situação que teria causado a morte de 99% de seus colegas?
Eu sobrevivi mas não sei explicar como, talvez porque seja muito teimoso. Não desisto facilmente de nada na vida, sou muito, muito perseverante, resiliente por natureza. Talvez algumas dessas qualidades tenham ajudado a sobreviver àqueles três dias no fundo da fenda.

O que os médicos disseram a você sobre sua recuperação?
Todos até agora chamam isso de milagre.

Qual é sua condição atual?
Estou recuperando-me aos poucos. Há dez dias fiz a sexta cirurgia plástica. Estou no AIIMS Déli [Instituto de Ciências Médicas de Nova Déli, na Índia, considerado um dos mais sofisticados polos de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia em saúde], e essa cirurgia foi para enxertar pele em minhas duas coxas, porque elas não estavam cicatrizando, estavam em uma condição muito ruim depois que a pele delas foi retirada para enxertar no resto do meu corpo, muito ferido por queimaduras de frio e congelamento grave. As coxas estavam cicatrizando muito lentamente, foram quase três meses sem nenhuma melhora, então os médicos decidiram tirar pele da panturrilha para enxertar nas coxas.

Qual é o tratamento a partir de agora?
Tenho que continuar cuidando da pele, porque agora ela é nova e muito frágil. É uma pele enxertada, então tenho que garantir que não esteja colocando-me em nenhum risco, tenho que cuidar da pele em relação a frio, a calor, a tudo.

Como você acha que isso afetará sua vida e o futuro dos projetos em que você estava trabalhando
Honestamente, o tempo dirá. Tenho algumas amputações na mão direita e na perna esquerda. Perdi polegares e dedos. Então, isso definitivamente me afetará de alguma forma. Mas tenho certeza de que conseguirei lidar com isso com o tempo, estou fazendo fisioterapia e sei que serei capaz de me recuperar completamente. Espero que os dedos cortados não me afetem tanto quanto me afetam agora. E que meus projetos futuros não sejam tão impactados quanto estão sendo neste momento.

Cume do Anapurna, a 8.091 metros de altitude, na cordilheira do Himalaia - AFP

Nesses planos futuros você inclui voltar às montanhas?
Pergunta fantástica. Sim, definitivamente, planejo voltar às montanhas novamente no futuro, mas não tão cedo, claro. Vamos ver quando estarei recuperado e em condições de voltar. Vou treinar para isso, esse é meu plano.

Que lições você incluirá na mochila pessoal?
A certeza de que uma mente forte é muito importante para sobreviver nas montanhas, junto à aptidão física, é tão importante quanto. Vou concentrar-me em desenvolver tanto a aptidão física quanto a força mental, simultaneamente. E também apostar na fé, na crença que tenho, no amor pelas montanhas. Acreditar no poder dos milagres é importante. E não duvidar de que, se suas intenções estiverem corretas, se você estiver fazendo algo com um propósito, até a montanha cuidará de você.

Há algo que você gostaria de dizer aos montanhistas que estão acompanhando sua recuperação fantástica?
Minha única mensagem seria que se mantenham positivos, sejam aquela pessoa autêntica, isso é muito, muito importante. Sejam humanos positivos, espalhem amor e positividade, porque é disso que o mundo realmente precisa. O resto é tudo vento.

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