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É Logo Ali - Luiza Pastor
Luiza Pastor
Descrição de chapéu escalada

Altura, altitude e mortalidade nas altas montanhas

O ranking sinistro das mortes proporcionais ao número de pessoas que chegam aos cumes mais altos

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Há poucos dias, um leitor enviou comentário a um texto meu na Folha definindo como exagerada a glamurização do Everest, que não seria a mais perigosa das altas montanhas, apesar de neste ano ter registrado número recorde de 17 mortes e provocado ampla discussão sobre os limites (ou a falta deles) a sua escalada pelo governo do Nepal. E que seria justamente esse exagero pelo ícone instagramável que estaria levando tantos aventureiros de primeira (ou nenhuma) ascensão a entupirem os acessos ao ponto mais alto do planeta, arriscando não apenas suas vidas como as de montanhistas mais experientes. E o leitor tinha toda a razão. Então, vamos a alguns números que ajudam a confirmar sua tese.

O montanhista francês Jean-Christophe Lafaille no cume da montanha Anapurna, no Himalaia. Ela é considerada a mais letal, com uma razão de quase um terço de mortes em relação ao número de pessoas que conseguem chegar ao topo - AFP-14.mai.10

Embora seja, sim, o ponto culminante da Terra com seus 8.848 metros, a grande estrela da cordilheira do Himalaia registra muito menos mortes, proporcionalmente, que seus vizinhos Anapurna (8.091 metros) e Kangchenjunga (8.586 metros) e o K2 (8.611 metros), este localizado na cordilheira de Karakoram, no norte do Paquistão. Em relação ao número de montanhistas que chegam a seus cumes, o percentual de mortes nessas três montanhas é de, respectivamente, 29,5%, 29,1% e 22,9%. No Everest, essa razão é de 14,1%, segundo o site Statista, que levantou junto aos sites especializados Himalayan Database e Mountain IQ os dados de fatalidades das 14 montanhas do mundo com mais de 8.000 metros de altitude entre os anos de 2018 e 2021.

Outro leitor, no mesmo texto, comentava que, afinal de contas, o Everest e seus vizinhos sequer são os pontos mais altos do mundo. E que o título seria da montanha Denali, no Alaska, a mais alta da América do Norte, com 6.190 metros de altura. Oi? Como assim?

Os picos sul e norte do monte Denali, no Alaska, líder em altura de subida, com 5.500 metros. O Everest, maior montanha em altitude do planeta, tem uma altura de escalada de 5.360 metros - Patrick T. Fallon - 20.set.22/AFP

Calma, o leitor não enlouqueceu, nem está negando a geografia. Na verdade, o que ele queria dizer é algo tão simples quanto real e parte da diferença que existe entre altitude e altura. Altitude é a medição que toma por base o nível do mar. Altura é o que se registra da base ao topo de alguma coisa. No caso, de uma montanha.

Assim, como o montanhista que quiser chegar da base ao cume do Denali terá que enfrentar uma subida de 5.500 metros, ele estará enfrentando a escalada mais alta, mesmo que numa montanha de menor altitude. Do acampamento-base do Everest até seu cume, por exemplo, são "apenas" 5.364 metros em linha reta, algo que, de resto, simplesmente não existe nas rotas do montanhismo, nas quais ganhar 30 metros pode levar horas nas condições mais adversas.

Acampamento-base do Everest, a 5.300 metros de altitude; o trekking até lá leva, em média, oito dias
Acampamento-base do Everest, a 5.300 metros de altitude - Edson Vandeira - 22.ago.18

Só quem já precisou desistir do cume a essa aparentemente ridícula distância, assim, equivalente a meio quarteirão de uma cidade qualquer, sabe o que representa cada passo de poucos centímetros no ar rarefeito. Acreditem, é frustração em nível não raro mortal —porque o primeiro impulso será sempre dar um jeito de seguir adiante, vai dar, força, falta tão pouquinho... É aí que acidentes acontecem. E se esses poucos metros estiverem acima da chamada zona da morte, ou seja, acima dos 8.000 metros de altitude acima do mar, poderiam muito bem ser 300 ou 3.000. Simplesmente não dá para brincar com esses números.

E a explicação está, de novo, nos números. Embora a concentração de oxigênio no ar (FIO2) seja constante em 21%, a disponibilidade de oxigênio diminui porque sua pressão parcial (PO2) cai linearmente com o aumento da altitude.

A PO2 é calculada multiplicando-se a concentração de oxigênio (constante 0,21) pela pressão atmosférica. Como a pressão atmosférica cai de 760 mmHg ao nível do mar para 253 mmHg no topo do Everest, a PO2 também cairá de 159 mmHg para 53 mmHg entre o nível do mar e o cume do monte Everest.

E o que acontece com essa complicada explicação toda? Acontece que, quando o ser humano chega acima dos 8.000 metros, vêm a fadiga constante, os batimentos cardíacos acelerados e a dor de cabeça provocados pela baixa oxigenação (além do risco do frequente edema pulmonar). Somam-se a isso as temperaturas extremas que, no cume do Everest, podem chegar a -60 graus Celsius, provocando graves queimaduras gangrenantes nas extremidades como dedos, nariz e orelhas. Eu avisei que não dá para brincar com esses números, não avisei?

Erramos: o texto foi alterado

Ao contrário do que foi inicialmente publicado neste texto, a concentração de oxigênio no ar não se altera com a altitude. Sua disponibilidade em altas montanhas diminui porque a pressão parcial (PO2) cai linearmente com o aumento da altitude, de 159 mmHg ao nível do mar para 53 mmHg no cume do Everest.

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