Treze anos depois da promulgação da PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos), o Brasil recicla pouco mais de 2% dos materiais que, em boa parte, poderiam ser reutilizados. São mais de 80 milhões de toneladas de lixo anuais que vão parar nos famigerados aterros sanitários, os quais, por sinal, a legislação pretendia extinguir até 2024, com poucas probabilidades de ser nacionalmente acatada. Iniciativas como coleta seletiva e logística reversa, que poderiam gerar novos produtos com menor pegada de carbono para a própria indústria ainda são pontuais e estão longe de configurar um hábito dos brasileiros de todo o país. E é uma dessas iniciativas, promovida pelo engenheiro químico e amante dos esportes ao ar livre Pedro Lacaz Amaral, que acaba de ser premiada na Turquia pela Federação Internacional de Escalada e Montanhismo, maior órgão global do segmento, sediada na Suíça.
O projeto premiado de Amaral —CEO da startup que criou a primeira plataforma de educação e capacitação de praticantes de esportes da natureza, a Gear Tips Outdoor— é o primeiro programa de reciclagem de cartuchos de gás utilizados em acampamentos de trilheiros, montanhistas e outros amantes de um acampamento pelo país. Para viabilizá-lo, ele contou com a ajuda do artista plástico Davi Rezende, conhecido por transformar sucatas em arte, e o coordenador de Responsabilidade Social e Ambiental da startup, Bruno Negreiros, além de Victor Cruz, especialista em resíduos e fundador do Grão Coworking, que desenvolveu o projeto do coletor.
"Para a gente, sempre foi muito importante essa questão ambiental", lembra Amaral. "E tínhamos já o conceito de minimizar o impacto, dentro do conceito de leave no trace, não deixar nada para trás", acrescenta. Entre as tralhas que eram mais descartadas e nem sempre em um lugar adequado, estavam justamente os cartuchos de gás usados para cozinhar alimentos e ferver água nos acampamentos.
"Vimos que a maioria ou não sabia o que fazer com o cartucho vazio, ou tinha receio de explosão, tanto quem usava como os locais que reciclam", explica o engenheiro, ressaltando que são mais de 2 milhões de cartuchos vendidos no Brasil por ano, a maioria indo parar em aterros sanitários.
O grupo de Amaral começou, então, a trabalhar para montar um conjunto que facilitasse a reciclagem. Primeiro, era preciso ter uma estrutura que permitisse coletar os cartuchos de maneira segura. "Mesmo que o cartucho tenha ainda um restinho de gás lá dentro, o equipamento que desenvolvemos permite drenar esse gás para fora da lata, e ele passa por um filtro, permitindo então sua perfuração sem risco", detalha ele. Esvaziado e perfurado, o cartucho fica dentro do latão e pronto para ser levado a um ponto de reciclagem.
"Chegamos a conversar com empresas que produzem aço, mas o custo para a logística reversa era muito alto, então optamos por buscar parceiros em diversos pontos do país e eles por sua vez identificam os centros de reciclagem mais próximos e se encarregam do descarte adequado", acrescenta Amaral. Os locais mais óbvios, claro, eram os próprios pontos de venda dos cartuchos. "A pessoa vai comprar um cartucho novo e já leva o vazio para a loja", explica, apontando que cada coletor pode recolher entre 30 e 40 cartuchos, dependendo do modelo.
O projeto premiado já reúne hoje 24 pontos de coleta. Até o final do ano, deverão ser 60 e, em 2024, 100. O financiamento para fabricação do equipamento, explica Amaral, foi alavancado por uma ação de crowdfunding (financiamento coletivo) que arrecadou o suficiente para fabricar 10 equipamentos, mas que teve o dobro doado por parceiros que entraram para reforçar a ação, que já prevê a produção de um modelo mais sofisticado, no qual não vai ser mais necessário perfurar e esvaziar o cartucho.
"Temos várias iniciativas visando expandir o projeto, mas o grande desafio é o comprometimento do consumidor final, de quem compra", aponta Amaral. "Porque uma grande quantidade de pessoas achava que a própria indústria que fabrica o produto devia cuidar disso, mas temos que ter responsabilidade, temos que mostrar a essas pessoas que se você usa aquilo, é parte também do problema, e você deve ser parte da solução", acrescenta, deixando no ar a pergunta de muitos milhões de toneladas de carbono: "O que custa você levar o cartucho para o lugar certo, afinal?"
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