Vaquinhas online mudam de perfil e abraçam causas coletivas

Antes mais individuais, pedidos de financiamento se multiplicam e ajudam até estabelecimentos

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São Paulo

"No dia 25 de março, o Ó entrega as chaves. Não vamos deixar isso acontecer." O apelo, postado em um vídeo no Instagram do bar paulistano Ó do Borogodó em 12 de março de 2021, vinha acompanhado do anúncio de uma vaquinha online. "Se cada um de nós que se emocionou e ficou afetado por essa notícia puder doar, a gente consegue atravessar essa tempestade", pedia a publicação.

Só de aluguel, o estabelecimento, que havia fechado as portas por causa da pandemia um ano antes, devia cerca de R$ 120 mil. "Já tinha recebido ordem de despejo, e o financiamento coletivo foi a última tentativa", conta Stefânia Gola, proprietária do Ó.

Cadeiras encostadas no bar "Ó do Borogodó", na Vila Madalena, em São Paulo (SP)
Cadeiras encostadas no bar "Ó do Borogodó", na Vila Madalena, em São Paulo. Local esteve prestes a fechar as portas, mas foi salvo após financiamento coletivo  - Karime Xavier - 30.mar.2021/Folhapress

Desesperada com a possibilidade de perder seu negócio, achou que jamais conseguiria atingir o valor de doações sugerido por amigos do espaço, de R$ 300 mil —quantia que pagaria as dívidas e manteria o local por um ano.

Mas, para surpresa da empresária, apenas nas primeiras 24 horas o bar recebeu R$ 40 mil em doações. E, em dez dias de vaquinha e Pix, alcançou o valor, com ajudas que variaram de R$ 2 a R$ 10 mil.

"Cada doação foi importante, da menor até a maior, porque sabemos como o dinheiro pesa para cada um", diz Stefânia. "Quando vi que íamos bater a meta, veio um sentimento de reconhecimento do nosso trabalho nesses 20 anos, uma injeção de gratidão", afirma.

O Ó foi um dos milhares de estabelecimentos comerciais Brasil afora que se mantiveram vivos na pandemia por causa das vaquinhas.

Essas iniciativas, também chamadas de crowdfunding, passaram por uma evolução com a Covid-19, conta Nicolas de Virieu, cofundador da plataforma Abacashi. Só em seu site, ao menos 7.500 bares foram beneficiados em uma parceria com uma marca de cerveja.

"Claro que vaquinhas para ações solidárias já existiam, mas, com a pandemia, elas passaram a ser muito mais comuns do que antes, quando a maioria dos pedidos de crowdfunding eram ligados a projetos individuais, como ajudar os amigos a pagar a lua de mel ou a publicar um livro", afirma Virieu. De acordo com ele, as causas sociais representam atualmente 90% dos projetos criados no site.

Em 2019, portanto, antes da Covid, o Abacashi promovia, em média, 150 causas por mês. Hoje, são mais de 1.500 —1.350 de impacto social. E o objetivo, segundo Virieu, é continuar crescendo, tanto que o Abacashi comprou no início do ano a Sharity, plataforma de financiamento online voltada a ajudar o próximo.

De acordo com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), do governo federal, há um crescimento contínuo dessas plataformas desde 2017, quando elas passaram a ser reguladas. Em 2020, por exemplo, havia 32 delas; no fim de 2021, 56. As doações passaram de R$ 84 milhões para R$ 188 milhões no mesmo período —aumento de 123%— e o número de doadores saltou de 8.275 para 19.797.

Cada doação foi importante, da menor até a maior, porque sabemos como o dinheiro pesa para cada um. Quando vi que íamos bater a meta, veio um sentimento de reconhecimento do nosso trabalho nesses 20 anos, uma injeção de gratidão

Stefânia Gola

proprietária do Ó do Borogodó

A musicista paulistana Érica Hindrikson é um deles. Em novembro do ano passado, ela começou a colaborar com o financiamento coletivo do projeto Ecoz, grupo surgido em Osasco, na Grande São Paulo, na pandemia, para entregar cestas de alimentos orgânicos para mães solo em situação de vulnerabilidade. A cada cesta comprada, outra é doada para essas mulheres.

"Sempre dei dinheiro para projetos solidários, mas, na pandemia, fiquei mais preocupada, porque a pobreza escancarou problemas sociais", afirma.

No caso do Ecoz, as doações são para pagar também os produtos que vão para as mães e a logística de produção e distribuição. "Fizemos o crowdfunding para manter o projeto ativo, não deixá-lo morrer", diz Rafael Santana, cofundador do Ecoz.

Além das 2.524 cestas doadas de maio de 2020, quando foi criado, a julho de 2022, o crowdfunding do Ecoz viabilizou o lançamento do projeto Quintais Solidários, que implementa pequenas hortas na casa de famílias que recebem as doações.

"É uma forma de possibilitar a geração de renda para essas mães", acrescenta Rafael.

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