Entretempos

Curadoria de obras e exposições daqui e dali, ensaios entre arte, literatura e afins

Entretempos - Cassiana Der Haroutiounian
Cassiana Der Haroutiounian

Fagulhas de um Fogo Distante

Ensaio Palavra-Imagem com Davi Novaes e Olafur Eliasson

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Há duas semanas fui ao teatro pela primeira vez desde o início da pandemia. Eu não poderia ter escolhido uma peça melhor para imergir nos afetos, nas angústias e na beleza das palavras e dos devaneios do que "É Sempre Mais Difícil Ancorar um Navio no Espaço" de David Novaes. A peça me levou para tantos lugares que tive vontade de estampar aqui alguns trechos do que assisti. Bacharel em Letras pela Universidade de São Paulo, Davi Novaes é escritor, professor de dramaturgia e escrita criativa, ator formado por instituições como Teatro Escola Macunaíma e Casa de Artes Operária, além de aluno de canto do Maestro Ettore Veríssimo.

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eclipse de olafur eliasson, no Tate, em Londres - divulgação

Atuou no espetáculo "Um Bonde Chamado Desejo", com direção de Rafael Gomes - peça vencedora de três prêmios Shell de Teatro - na qual também assina a assistência de direção. Neste ano, Novaes lançou, de maneira independente, seu livro ‘’Minha Ficção é a Memória’’, composto por suas duas peças teatrais: ‘’O Que Restou de Você em Mim’’ e "É Sempre Mais Difícil Ancorar um Navio no Espaço’’, entre outros escritos. O título desta última peça vem de um poema da maravilhosa Ana Cristina César, poetisa carioca, chamado "Recuperação da Adolescência".

Para acompanhar as palavras de Novaes, nada mais bonito do que a obra do incrível artista islandês-dinamarquês Olafur Eliasson. Conhecido por suas esculturas e instalações em larga escala, ele explora as percepções do espectador a partir de experiências sensoriais. É recorrente em suas obras o uso de elementos como vapor, água, fogo, vento ou mesmo o sol, expondo em diferentes centros de arte do mundo. Em um jogo de luz e sombra, claro, escuro, inícios e fins, seu eclipse dialoga perfeitamente com o eclipse inventado de Novaes.

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eclipse-olafur eliasson - divulgação

Escrever é a tradução do tempo entre o agora e o que vai ser escrito. E nesse tempo, e nessa tradução: isto. Esse ensaio nasceu vontade, cresceu palavra e virou teatro, até que numa sexta feira à noite, foi convidado a olhar para trás e voltar a ser letra e som e fúria.

Toda história é um remorso, e essa não vai ser diferente.

As linhas vão se contrastando com a página em branco, tal qual um eclipse não intencional entre o que é e o que pode vir a ser. Como um ator. Atuar, para mim, é presenciar um eclipse. O ator, a atriz, são o sol: a luz, fonte e centro daquilo que está prestes a acontecer. Enquanto a personagem, é a lua: que entra na frente dessa fonte e existe. Um eclipse. Um encontro de eclipses. Mas, enquanto escrevo, começo a duvidar se realmente entendi como tudo isso funciona, e no coração da dúvida o impulso visceral da resolução. Site de busca. ‘’O que é um eclipse?’’ Pesquisar.

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instalação de olafur eliasson, no Tate, em Londres - divulgação

RESPOSTA:
Um eclipse é um escurecimento total ou parcial de um astro feito por meio da interposição de um segundo astro frente à fonte de luz.

Mas não só.

Um eclipse é um escurecimento total ou parcial de uma existência feito por meio da imposição do mundo frente à fonte de luz.

Um eclipse é um escurecimento total ou parcial de uma pessoa feito por meio da instauração de uma ausência frente à fonte de luz.

Um eclipse é um abandono total ou parcial de um lugar feito por meio da vontade de alguém frente à fonte da dor.

Um eclipse é uma luta renhida total, ou parcial, entre a mente e a vontade que se inter posicionam frente à fonte, que nem sempre é de luz.

Um eclipse é a pausa de tudo feita pela descoberta de um algo microscópico total, e só total, que entra na frente de um planeta inteiro e faz com todos se lembrem da impermanência das coisas.

Um eclipse é a vontade de deixar de aparecer que um alguém sente ao se deparar com todo o resto do qual a vida é cheia..

Um eclipse é um lembrete de que das coisas das quais não se entende, se vive tanto quanto das outras.

E das coisas das quais não se entende: O Amor, aqui com ‘’a’’ maiúsculo para ele não se ofender, que é, também, um eclipse. Uma sobreposição entre duas pessoas que coexistem durante um espaço de tempo que varia, e que quando acaba, leva com ele a possibilidade do nunca. Por mais que você nunca mais veja isso acontecer, esse fenômeno máximo dos mistérios da vida, aquela primeira vez já aconteceu, e os lamentos honestamente forjados do nunca deixam de ser verdade e viram uma mentira sentimental que você conta para os outros quando quer algum afeto imediato, mas que, no fundo, nem você acredita mais. Mas, às vezes, é mais fácil contar essa mentira, mesmo que seja pra você mesmo, do que tentar entender a complexidade dos sentimentos que não duram pra sempre, mas que quando terminam não acabam. O Amor é o resultado de não entender alguém. Quando não se entende alguém, nos apaixonamos nesse processo de tentar. E isso pode durar uma vida inteira, pode durar um segundo, pode durar dois anos. E quando nós nos entendemos por completo, e é raro isso, raríssimo, não sei, algo morre. Ou nasce de novo, de outro jeito. E aí cabe aos dois saber o que fazer com isso.: com todo esse conhecimento e essa magia que já não brilha mais, que virou fato.

Ao final de um eclipse, o céu volta a ser o mesmo, mas nunca mais é o mesmo.

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