Entretempos

Curadoria de obras e exposições daqui e dali, ensaios entre arte, literatura e afins

Entretempos - Cassiana Der Haroutiounian
Cassiana Der Haroutiounian

O terceiro mar - Ensaio Palavra-Imagem

com Abu Zayd al-Hasan al-Sirafi, Pedro Martins Criado e Sandra Jávera

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ilustrações de Sandra Jávera para o livro Relatos da China e da Índia, editora Tabla, exclusivo Entretempos
ilustrações de Sandra Jávera para o livro Relatos da China e da Índia, editora Tabla, exclusivo Entretempos - editora Tabla

Neste domingo, trago as palavras e as imagens do recém lançado livro da Editora Tabla: Relatos da China e da Índia, de Abu Zayd al-Hasan al-Sirafi e Tradução de Pedro Martins Criado. São dois livros em um só. Em ambas as partes, o foco está no contato entre observadores oriundos dos territórios islâmicos e os povos e regiões da Índia e da China. É uma importante obra da literatura geográfica e historiográfica, bem como de viagens e maravilhas, produzida em língua árabe no período, e um registro das relações entre culturas e de suas representações ao longo da história da humanidade. Já as ilustrações que permeiam a edição são de Sandra Jávera, em composições digitais de desenhos e manchas feitos com tinta nanquim e aquarela. O projeto gráfico de Cristina Gu é de uma lindeza sem fim.

ilustrações de Sandra Jávera para o livro Relatos da China e da Índia, editora Tabla, exclusivo Entretempos
ilustrações de Sandra Jávera para o livro Relatos da China e da Índia, editora Tabla, exclusivo Entretempos - editora Tabla

O TERCEIRO MAR

ilustrações de Sandra Jávera para o livro Relatos da China e da Índia, editora Tabla, exclusivo Entretempos
ilustrações de Sandra Jávera para o livro Relatos da China e da Índia, editora Tabla, exclusivo Entretempos - editora Tabla

O terceiro mar é o mar de Harkand. Entre ele e o mar de Larawi há muitas ilhas. Diz-se que são mil e novecentas ilhas que fazem fronteira entre esses dois mares — Larawi e Harkand. Uma mulher governa essas ilhas. Enormes âmbares cinza surgem por lá; um pedaço pode ser grande como uma casa, ou quase isso. Esse âmbar brota no fundo do mar como uma planta. Se a agitação do mar se intensifica, ele é lançado do fundo como um cogumelo ou uma trufa. Essas ilhas que a mulher governa são repletas de coqueiros. A distância entre uma ilha e outra é de duas, três ou quatro parasangas, e todas estão repletas de gente e de cocos. Seus habitantes usam cauris como dinheiro, e a rainha os armazena em cofres. Diz-se que não há melhores artesãos que o povo daquela ilha, e que fazem até camisas inteiras, com mangas, fendas e bolsos, no tear. Eles constroem barcos e casas, e executam todos os demais trabalhos com esse mesmo nível de habilidade. Os cauris — que têm alma animal — lhes vêm na superfície da água. Eles pegam uma palma de coqueiro, jogam na superfície e os cauris se penduram nela. Eles os chamam de kabtaj.

A última dessas ilhas é Sarandib, no mar de Harkand. É a principal entre todas essas ilhas, as quais são chamadas Brocados. Em Sarandib, há lugares em que se mergulha para pegar pérolas. O mar circunda a ilha inteira. Em suas terras, há uma montanha chamada Rahun; foi sobre ela que descendeu Adão — que a paz esteja com ele —, e sua pegada está nas pedras do topo dessa montanha, afundada na rocha. Há somente uma pegada; diz-se que Adão — que a paz esteja com ele — estava com o outro pé no mar. Diz-se que essa pegada que está no topo da montanha mede quase setenta cúbitos. Ao redor dessa montanha, há minas de pedras preciosas: rubis, topázios e safiras azuis. Nessa ilha, há dois reis. É uma ilha enorme e vasta, onde há pau-de-águila, ouro e pedras preciosas; em seu mar, há pérolas e chanks, que são aquelas trombetas em que se assopra, coletadas pelos habitantes. Quando se navega para Sarandib, vê-se que há ilhas neste mar que, embora não sejam numerosas, têm extensões imprecisas. Uma delas é a ilha chamada Ramani, onde há muitos reis. Diz-se que sua extensão é de oitocentas ou novecentas parasangas. Lá, há minas de ouro e regiões chamadas fansur, de onde se extrai cânfora de boa qualidade. Depois dessas ilhas, há outras, entre as quais uma chamada Niyan. Seus habitantes têm muito ouro. Seu alimento é o coco, tanto como condimento quanto como óleo. Quando um deles quer se casar, deve trazer o crânio de um inimigo. Se ele mata dois, casa-se com duas mulheres. Da mesma maneira, se ele mata cinquenta, casa-se com cinquenta mulheres em troca de cinquenta crânios. O motivo disso é que eles têm muitos inimigos, então quanto mais alguém ousa matá-los, mais desejável o consideram. Nessa ilha — refiro-me a Ramani —, há muitos elefantes, sapão e bambu. Nela, há um povo que come gente. A ilha se localiza entre dois mares: Harkand e Salaht. Depois, estão as ilhas chamadas Lanjabalus. Nelas, vivem muitas pessoas nuas, homens e mulheres, exceto por uma folha de árvore que cobre as vergonhas das mulheres. Quando as embarcações passam, eles vão até elas em barcos pequenos e grandes, e negociam com a tripulação âmbar cinza e coco em troca de ferro e o que mais necessitam de vestimentas, pois a terra deles não é quente nem fria. Atrás dessas ilhas, há outras duas e, entre elas, um mar chamado Andamão. Seus habitantes comem gente viva. Eles são negros, têm cabelos bem crespos, rosto e olhos horríveis, e pernas compridas. O "pé" de um deles chega a medir quase um cúbito — quer dizer, seu pênis —, e todos andam nus. Eles não têm barcos; se tivessem, comeriam todas as pessoas que por ali navegassem. Às vezes, embarcações passam por eles lentamente, delongando-se no percurso pela falta de vento. Quando a água acaba, os tripulantes se aproximam da ilha para pegar água. Com frequência, os habitantes capturam alguns deles, mas a maioria escapa. Depois dessa ilha, há montanhas fora da rota dos barcos. Diz-se que nelas há minas de prata. São inabitadas e nem toda embarcação que as almeja as alcança. De fato, uma das montanhas —chamada Khuchnami — só foi descoberta porque um barco passou por ela, avistou-a e dirigiu-se até lá. Quando amanheceu, os tripulantes desceram num bote e foram pegar lenha. Acenderam uma fogueira e a prata começou a transbordar, então souberam que ali havia uma jazida. Carregaram o quanto dela quiseram, mas, quando zarparam, o mar se agitou e tiveram que jogar fora tudo o que haviam pegado. Desde então, pessoas se preparam para ir até aquela montanha, mas não a encontram. Há muito disso no mar: incontáveis ilhas proibidas que os marinheiros não encontram e outras que não conseguem alcançar. Com frequência, vê-se neste mar uma nuvem branca encobrir as embarcações. Um filete longo e fino se projeta dela até tocar a água do mar, que ferve como um ciclone. Se o ciclone alcança a embarcação, ele a engole. Então, essa nuvem sobe e verte uma chuva que contém detritos do mar — não sei se a nuvem drena essa água do mar nem como isso se dá. Em cada um desses mares, bate um vento que agita suas águas até ferverem como um caldeirão; então, o que havia nelas é jogado às ilhas que lá existem, quebrando embarcações e lançando enormes peixes mortos. Às vezes, rochas e montanhas são lançadas como flechas disparadas de um arco.

O mar de Harkand tem um outro vento que sopra do oeste em direção ao Grande Carro, que faz o mar ferver como um caldeirão, emergindo dele muito âmbar cinza. Quanto mais amplo e fundo é o mar, melhor o âmbar. Se as ondas desse mar —refiro-me ao mar de Harkand — aumentam muito, você as vê como um fogo flamejante. Nesse mar, há um peixe chamado lukham, um predador que engole gente…

Há uma lacuna neste ponto, o que pode indicar a ausência de uma ou mais páginas.

ilustrações de Sandra Jávera para o livro Relatos da China e da Índia, editora Tabla, exclusivo Entretempos
ilustrações de Sandra Jávera para o livro Relatos da China e da Índia, editora Tabla, exclusivo Entretempos - editora Tabla

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