Entretempos

Curadoria de obras e exposições daqui e dali, ensaios entre arte, literatura e afins

Entretempos - Cassiana Der Haroutiounian
Cassiana Der Haroutiounian
Descrição de chapéu feminicídio

Meu corpo: território de disputa

Curadoria de Galciani Neves na Galeria Nara Roesler

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Berna Reale Quando todos calam # 2 2009, exclusivo entretempos
Berna Reale Quando todos calam # 2 2009, exclusivo entretempos - reprodução

"Defender o território-terra e não defender o território-corpo das mulheres é uma incoerência política. Se você se indigna contra agrotóxicos, contra os transgênicos, contra a mineração etc. e não se indigna quando uma mulher é violentada, rompe-se a rede de construção de um novo mundo, rompe-se a rede da vida." Lorena Cabnal, guatemalteca e feminista comunitária

Brígida Baltar, Corpo-casa [Mamás] 2020, exclusivo entretempos
Brígida Baltar, Corpo-casa [Mamás] 2020, exclusivo entretempos - reprodução

Neste sábado abre "Meu corpo: território de disputa", exposição com curadoria de Galciani Neves, na Galeria Nara Roesler. Atravessada por questões ainda sem respostas e extremamente urgentes, Gal escolheu todas as artistas presentes na mostra, pensando na diversidade e na pluralidade delas e no conjunto diverso de estratégias poéticas sobre ser e habitar o corpo-mulher. Artistas que encaram esse cenário a partir da crítica, da fabulação, da autoafirmação e do reconhecimento de ser mulher no Brasil.

Obra de Livia Aquino para exposição na galeria Nara Roesler, exclusivo entretempos
Obra de Livia Aquino para exposição na galeria Nara Roesler, exclusivo entretempos - Flavio Freira

Batemos um papo na última segunda feira (6 de fevereiro) e me contou que seu processo de curadoria começou com o título, com o campo semântico, mais precisamente. Em qual composição imagética seria eficiente para traduzir a ideia de corpo de mulher? "Eu sabia que a palavra território e cartografia derivam de um vocabulário militar. O nosso território precisa se proteger do inimigo. Somos corpo-escudo, corpo-flama."

"Como caracterizar a natureza desses corpos de mulher?" ela se pergunta. E talvez nós mulheres, façamos a mesma pergunta, desde sempre, em diferentes circunstâncias de nossas vidas. "O Estado é quem faz a decisão de um corpo de mulher. Apenas no ano passado, por exemplo, foi votada a lei que não precisa mais que o cônjuge aprove a laqueadura de uma mulher. Isso é uma conquista ou é um passo tardio e lento na construção de uma identidade de gênero, Cassiana?"

Flavia Vieira Hopes and fears 2018, exclusivo entretempos
Flavia Vieira Hopes and fears 2018, exclusivo entretempos - reprodução

Esse corpo-mulher tanto precisa estar apto a defesa, apto ao combate, apto a auto resiliência e a auto regeneração. "Somos um território solitário e possível de ser invadido a qualquer momento." Falar sobre violência contra a mulher ainda é um tema que gera infinitos desdobramentos e mesmo a Lei Maria da Penha, ainda tem um campo muito restrito e não abrange todas as especificidades das múltiplas mulheres do nosso país. "O que é a violência contra a mulher? Entramos em um processo de um corpo aliado a um território e a violência é multiplicada."

Para a exposição, as 27 artistas de diferentes gerações, linguagens e militância adentraram em um processo de potências fabulosas sobre como expor as estruturas todas dessas questões. É claro que falar de corpo de mulher ainda é um abismo e as diferenças são enormes. A abordagem do tema Feminicídio (todo homicídio praticado contra a mulher por razões da condição do gênero feminino e em decorrência da violência doméstica e familiar, ou por menosprezo ou discriminação à condição de mulher ) é delicada e necessária. Quando uma mulher está em defesa própria, ainda vem o estigma da mulher. Ainda precisar falar sobre o óbvio e sobre as definições que definem esta violência em um pensamento totalmente racional. "E a arte atua absolutamente como atividade social, como militância, como ativismo. Um processo que esta totalmente embrenhado nessa pauta."

Virginia de Medeiros Carmen Silva Ferreira, Guerrilheiras, da série Alma de Bronze 2017, exclusivo entretempos
Virginia de Medeiros Carmen Silva Ferreira, Guerrilheiras, da série Alma de Bronze 2017, exclusivo entretempos - reprodução

A exposição se divide em 3 eixos: "A liberdade também é um combate" - trabalhos com mais denúncias; "Fabular uma anatomia experiencial" - o que pode a potência do corpo de uma mulher, um corpo multi tarefa, um corpo que vive a auto cobrança em trabalhos onde o corpo em si está muito em evidência; "Corpo-floresta em desbunde" - para perceber o contorno do corpo da mulher não como limite, mas que é capaz de se reapropriar de si mesmo, de se reflorestar... A felicidade, o gozo, o desejo também como uma forma de resistência, de luta.

"Ainda hoje, em 2023, tem um problema que é muito incômodo esse tema. Muitas pessoas acham que as coisas estão resolvidas e não, estamos lutando pelo óbvio; e não, é urgente. Não debatemos o suficiente e não chegamos em um patamar de equidade de gêneros."

Para isso é preciso expor, mostrar, escancarar, provocar, fazer ver. O corpo de uma mulher não é só individual, ele é também um corpo coletivo, um corpo político que constrói com o outro um reconhecimento. É preciso constituir um espaço coletivamente onde a liberdade de ser mulher em toda e qualquer instância seja possível. Ser mulher que se metamorfoseia quando e como quiser. "A gente precisa ter proteção do estado e social. E precisamos disso garantido. Ainda não chegamos em um lugar que precisamos e queremos chegar. Vai demorar muito tempo para chegar em uma atuação equilibrada. A mudança é estrutural, de ponta a ponta. Já nascemos na defasagem e agora, depois de 4 anos, estamos saindo de um momento de trevas para a mulher, com resquícios latentes e presentes no hoje. A cada 7 horas uma mulher é morta no Brasil. Porque sim, há diferenças gritantes entre uma mulher e um homem na rua."

Com essa coletiva, pretende tornar o tema tratável, alavancar o debate. "Se minimamente as pessoas deixarem a galeria pensando sobre isso, já chegamos em um lugar eficiente. Entender que isso é urgente, que é importante, que é pedagógico no melhor dos sentidos. feminismo é pra todes."

Anna Bella Geiger Corpo feminino e seu appendix (após Brecheret), da série Tranferrs 2014, exclusivo entretempos
Anna Bella Geiger Corpo feminino e seu appendix (após Brecheret), da série Tranferrs 2014, exclusivo entretempos - reprodução

E você acha que toda mulher faz e precisa fazer um trabalho militante? pergunto a Gal.

"Não existe um trabalho de uma mulher que não seja um ato político. Quando pensamos o trabalho artístico como uma constituição de um sujeito político, a marca de gênero está aí. "

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