Entretempos

Curadoria de obras e exposições daqui e dali, ensaios entre arte, literatura e afins

Entretempos - Cassiana Der Haroutiounian
Cassiana Der Haroutiounian

Dançar é inscrever no tempo - 35ª Bienal de São Paulo

papo com Grada Kilomba, Diane Lima, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel

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ENTRETEMPOS + BIENAL #1

Até Setembro, o blog terá uma vez por mês alguma matéria sobre o maior evento de arte do país, com entrevistas, ensaios e reflexões.

Retrato dos curadores da 35a Bienal de São Paulo
Retrato dos curadores da 35a Bienal de São Paulo - Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

"O corpo dança o tempo. Dançar é como inscrever, que é como estar no tempo curvo do movimento. O evento criado no e pelo corpo inscreve o sujeito e a cultura numa espacialidade refletida, espelhando as temporalidades." Leda Mari Martins, Performances do tempo espiralar

Quatro pessoas com suas singularidades para pensar um coletivo. Suas diferenças fortalecem seus discursos. Suas pesquisas se unificam no múltiplo. Suas escolhas como um grande corpo que transita e evocará outros corpos a transitarem pela 35ª Bienal de São Paulo, em setembro deste ano. Uma coreografia que já começa no impossível. Entre dissonâncias harmônicas, se isso é possível. E é. Dentre tantos territórios entre esses quatro nomes, há um grande terreno que eles habitam e um tom único e horizontal que os acompanha no devaneio. Eles abarcam os dissensos e não os silenciam no processo curatorial.

Em uma roda de conversa onde convidamos nossos canais a se abrirem, conversei com Grada Kilomba, Diane Lima, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel há duas semanas no Pavilhão da Bienal sobre os atravessamentos possíveis entre eles e com o todo para pensarem na maior mostra de arte contemporânea da América Latina. As diferenças se fazem imprimir no processo e no resultado. Entre o corpo curatorial e nas relações entre os artistas; com obras performativas e não passivas. Uma obra com muitas vidas. Uma obra que te responde e gera suas próprias relações e movimentos.

A coreografia do impossível tem uma carga poética que ajuda a desobedecer em si mesmo a regulação e o modo como a coreografia é concebida. Quando se pensa nessa prática curatorial, também coreografam esse impossível dentro dos marcos institucionais.

"As movências das danças mimetizam essa circularidade espiralada, quer no bailado do corpo, quer na ocupação espacial que o corpo em voleios sobre si mesmo desenha. " Leda Maria Martins, Performances do tempo espiralar

As fronteiras são a base e o que propiciou a formação desse corpo múltiplo de quatro, com mundos e biografias diferentes. Como é possível criar um trabalho onde vamos além de nossas fronteiras? Com pesquisas paralelas que se cruzam ao longo do caminho, Grada, Diane, Hélio e Manuel potencializam o desbravar dessa curadoria. Como vamos para além daquilo que nos foi dado como conhecimento? Aceitar o outro e abrir novas rupturas para que novas erupções sejam possíveis.

Tão essencial e importante em todo o projeto curatorial é este laboratório em que todos estão criando. Onde se elabora, onde se experimenta, onde se pode falhar e criar outra vez. Estar a procura de, além de.
Além do laboratório, há também o lugar ensaístico, que em determinado momento eles conseguem perceber sobretudo através das coreografias institucionais, negociar com esses espaços , a partir do entendimento que a presença deles também cria de algum modo uma desobediência às regras, às normas aos modelos de funcionamento.

Nesta Bienal existirá muito o entre-lugar, onde se desafia e se questiona as estruturas, ao mesmo tempo se especula e se antecipa possibilidades de reflexão e de existências no mundo, diante desse impossível que é fundamental para as urgências de nossos tempos. Temas políticos, sociais, culturais são pilares na escolha das obras também em como elas impactam em termos de linguagem: poética, estética, material. Trazer reflexões sobre os processos de controle, de vigilância e em como alguns corpos encontram barreiras, migrações, racismos ambientais e infinitas violências.

Há uma ancestralidade que se acumula no tempo e talvez seja formulada e apresentada como assombrações de tempos históricos distintos que voltam mais uma vez para solicitar e lutar por demandas em torno de injustiça social e confirmar que o projeto em relação a justiça, liberdade e igualdade é irrealizável. Pensar como as violências ocorrem, nomeá-las, destacar seus contextos e afirmar que há nessas assombrações que atravessam tempos e espaços, uma beleza terrível. Não há um gesto heróico que salva e trás um desfecho para a história.

Dentro da lista de artista tem infinitas mobilizações poéticas, plásticas e materiais que tentam transcender as questões ou as estruturas mais complexas da realidade. Existe uma certa energia expográfica, onde se criam relações íntimas entre uma obra e outra, entre um artista e outro, e conseguem confrontar, colocar em diálogo, refletir os mesmos contextos globais e de tantos tempos que se acumulam ao longo da nossa história e definitivamente impactam nas violências e nas suas atualizações mais diversas do contemporâneo.

A narrativa da exposição não passa pelo desejo de criar categorias e relações temáticas e não pretende confinar as obras entre paredes fechadas, que não permitiriam sua mobilidade e sua comunicação com os demais. São infinitas as trocas possíveis entre o dentro e o fora.

O cenário do Brasil mudou e portanto as percepções dos visitantes também, proporcionando outras danças, outros diálogos. Nesta coreografia, habitam tempos múltiplos, esse tempo espiralar, temas do presente ligados com o passado. Um complementa o outro e não termina em seu fim.
O modelo de trabalho proposto pelos curadores implica em uma mudança epistemológica contínua. Geram espaços de resistência e permitem imaginar outros futuros a partir do que não se sabia que se conhecia. Essa é a força de um coletivo criado por uma vontade política e de conhecimento. Ver complexidade no que se está querendo escrever, olhar a dimensão do espaço-tempo de uma forma muito mais complexa. Uma crise que se multiplica em todos os territórios dos artistas escolhidos. O Brasil se multiplica em muitos outros espaços geográficos e vice-versa. Há uma continuidade quando se olha para a dimensão do espaço e uma continuidade quando se olha para a dimensão do tempo.

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