Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus

Projeto de Fux cria a figura do 'juiz cigano', diz procurador

CNJ divulga duas versões da resolução sobre o intercâmbio de juízes

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O "Programa Nacional Visão Global do Judiciário", anunciado pelo ministro Luiz Fux na última sessão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em 2021, foi divulgado na semana passada e avaliado por juízes e procuradores consultados pelo Blog.

Este post apresenta críticas, elogios, esclarecimentos e dúvidas a partir dessas análises.

O programa prevê que magistrados poderão atuar no período de até seis meses em tribunais de outros estados, a título de conhecer boas práticas e compartilhar conhecimentos.

A Resolução nº 441, de 24 de dezembro de 2021, foi relatada pelo presidente do CNJ e aprovada em sessão ordinária do colegiado naquela data.

Programa Nacional Visão Global do Judiciário
Ministro Luiz Fux durante sessão ordinária do Plenário do CNJ - agosto/2021 - Divulgação

Foram publicadas duas versões da resolução. A primeira previa a mudança temporária dos juízes pelo "prazo máximo de 4 (quatro) anos, permitida a prorrogação". A segunda estabelece a atuação do juiz em órgãos diversos do tribunal de origem "pelo prazo de, no máximo, 6 (seis) meses" [como Fux anunciou durante a sessão de dezembro].

O CNJ confirmou que houve equívoco. "O texto aprovado previa mesmo seis meses. Houve um erro na publicação, que foi imediatamente corrigido assim que identificado", informou a assessoria de imprensa do conselho.

A segunda versão é a adaptação do projeto criado em 2021 para permitir a troca de conhecimento com magistratura e tribunais de países com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas. No caso do programa internacional, a previsão é de um período mínimo de dois meses e o magistrado estrangeiro não pode exercer a jurisdição no território brasileiro.

O programa nacional "destina-se a magistrados brasileiros que possuam interesse em atuar em órgãos do Poder Judiciário brasileiro diversos do tribunal de origem, desde que resguardados o ramo e a especialidade".

Pergunta de um juiz federal: se um juiz de vara previdenciária vai para outra vara previdenciária o que ele vai aprender lá que já não sabia?

O programa foi aprovado na última sessão do ano judiciário, com novos conselheiros empossados. Fux citou a possibilidade de um juiz participar do programa, caso esteja interessado em adquirir ou transmitir experiência sobre lavagem de dinheiro.

Na ocasião, o presidente do CNJ exemplificou:

"No Paraná, tem uma vara especializada em lavagem de dinheiro, combate à corrupção e recuperação de ativos. Isso não é muito constante talvez no outro estado. Então, o juiz de um estado que não tem expertise sobre isso terá oportunidade de estagiar em outro tribunal, não substituindo um colega, para adquirir expertise e levar para seu tribunal o mesmo nível de conhecimento. Eu pergunto: há alguma divergência? Não havendo, considero aprovado este ato".

Na rápida exposição de Fux não houve referência ao esvaziamento da Lava Jato. E nem à polêmica sobre a decisão do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), que, em dezembro último, extinguiu varas de lavagem. A corte regional seguiu recomendação do CNJ, na gestão do ministro Dias Toffoli, para os tribunais instalarem varas criminais colegiadas.

Possivelmente, algumas avaliações neste post reflitam a divisão no STF entre ministros favoráveis e contrários à Lava Jato.

Primeiras impressões

As primeiras interpretações divulgadas sugerem que o programa de Fux abriria brechas para gratificações extras a juízes.

Alguns magistrados desconfiam que a resolução, aprovada sem amplo debate público entre as associações, tenha sido elaborada para beneficiar filhos de ministros e apadrinhados. A conferir.

Um grupo de juízes consultados pelo Blog observou que o sentido pouco explícito da resolução permite pensar que ela tenha endereçamento e beneficiários adrede escolhidos.

Com redação diversa, essa proposta estaria circulando na AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) desde a gestão do presidente Jayme de Oliveira e conta com o apoio de muitos juízes.

Gustavo Teles Veras Nunes, integrante da Diretoria de Novos Magistrados e Permuta da AMB, diz que "esta norma, basicamente, visa fortalecer um intercâmbio entre juízes de diferentes estados".

"É um verdadeiro intercâmbio de conhecimento e de práticas jurisdicionais", afirma.

Em comentário publicado no site da AMB, Nunes diz que "essa resolução vai fortalecer o caráter nacional da magistratura e de certa forma vai servir como um importante passo para a regulamentação das permutas entre juízes de estados diferentes".

Há dúvidas se o CNJ tem competência para criar essa norma, que dependeria de lei. Um juiz consultado vê um obstáculo jurídico: não há amparo legal que permita a um magistrado vinculado a um tribunal emitir atos jurisdicionais em outro.

O mesmo magistrado admite boas intenções na iniciativa do CNJ, como a troca de experiências. Mas, segundo ele, o conselho não tem o poder normativo que acredita ter.

Ele diz que o principal problema do jurisdicionado em primeiro grau é a equalização dos servidores, que notadamente incham gabinetes dos tribunais enquanto muitas unidades estão abandonadas.

Juiz de fora e juiz natural

"Não há lei que ampare esta figura do juiz cigano; mas a este STF, ausência de lei não é óbice a suas imposições", diz o procurador da República Celso Três, de Novo Hamburgo (RS).

"Qual seria a razão de institutos constitucionais, exemplo do concurso público, estabilidade, inamovibilidade, vitaliciedade, obrigação de residir na comarca, se o sujeito pode perambular pelo país afora?"

"Estas garantias são em favor do cidadão, prestação jurisdicional segura... aí o cidadão fica lá perdido no 'tribunal de origem' enquanto o magistrado passeia pela nação", diz.

Segundo Três, "o Brasil colônia tinha o juiz de fora (que deu nome à cidade mineira); agora, terá juiz viajante".

Para ele, a resolução corrigida não altera a substância do que foi dito: "Cidadãos terão juiz viajante e outros juiz visitante; a resolução também diz que não terá ajuda de custo e diárias; terá, sim, porque submete às regras gerais de remoção que ensejam os pagamentos".

Kenarik Boujikian, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça de São Paulo, diz que "a resolução do CNJ fere o princípio constitucional do juiz natural, um dos mais caros ao sistema democrático".

Segundo ela, trata-se de uma garantia que não é dirigida aos magistrados, mas para a garantia do jurisdicionado e da democracia, com a salvaguarda de regras legais de competência, de acesso ao cargo etc.

"Se entendemos que a regra destina-se ao jurisdicionado, evidentemente não pode o juiz individualmente abrir mão do cargo, pois não lhe pertence e, muito menos, o próprio Poder Judiciário", afirma Boujikian.

"Não há no sistema constitucional e nem legal a possibilidade de um juiz estadual exercer jurisdição em outro estado. O acesso ao cargo é por concurso. Se um magistrado presta concurso para determinada unidade da Federação, não pode judicar em outra", diz a desembargadora.

"O que está na Constituição é o princípio do juiz natural e o CNJ deveria ser o primeiro a defender o princípio, assim como todos os juízes", afirma Boujikian. Ela é fundadora da AJD (Associação Juízes para a Democracia), criada em 1991, da qual foi presidente e secretária executiva.

Aplausos e dúvidas

O procurador de Justiça Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, aplaude o projeto do CNJ.

"É boa iniciativa à luz da busca de uma justiça cada vez mais eficiente e sensível às demandas da sociedade, permitindo que magistrados intercambiem experiências fora de seus estados de origem. O processo de reciclagem profissional é sempre importante e pode trazer novas e renovadas energias no desempenho da atividade jurisdicional", diz.

Segundo Livianu, "num país continental, com grandes diferenças regionais, é extremamente importante que os magistrados absorvam o conhecimento em relação a tais realidades por certos períodos".

"Com o devido monitoramento e fiscalização, o programa poderá trazer bons frutos e representa a concretização de um dos importantes papéis que cabe ao CNJ, no campo regulatório e do planejamento da Justiça no Brasil", diz o procurador.

A seguir, algumas observações e dúvidas levantadas por magistrados:

- A resolução é ato do presidente Luiz Fux, deliberado em Plenário, dentro das atribuições de controle da atuação administrativa e financeira dos tribunais. O programa foi instituído "independentemente de qualquer regulamentação adicional". O artigo 17 fixa competência exclusiva do presidente do CNJ para dirimir dúvidas quando à aplicação da resolução.

- Poderão ter acesso ao programa juízes que pretendam auxiliar vara em tribunal de outro Estado, sob o mesmo vínculo funcional do órgão de origem que manterá o ônus da remuneração, sem – isoladamente considerado – auferir o pagamento de outros benefícios. No entanto, eventuais faltas disciplinares serão comunicadas pelo tribunal anfitrião ao tribunal de origem, sob o qual manterá o juiz sujeição disciplinar. Essa situação poderá gerar conflito entre estados, em razão de problemas de competência ou atribuições?

- A participação dos juízes é condicionada ao aceite e à liberação pelos tribunais, além de outras condições. Mas não esclarece sobre atraso na prestação jurisdicional na vara de origem. O período de participação poderá ser renovado? E quantas vezes?

- Hipótese: o magistrado pretende participar em local mais aprazível (praia, estância mineral, estância climática), sendo que no tribunal de origem está em vara de subúrbio, violenta ou de parcos recursos para o exercício da função.

- Hipótese: o magistrado participa de tribunal que paga muito bem ou muito mal seus juízes e o auxiliar não preenche os requisitos previstos em lei para receber aqueles benefícios pagos pelo tribunal anfitrião (ou vice-versa), o que, sem dúvida, poderá criar problemas de desequilíbrio, entre os magistrados, de convivência ou para fixar residência etc.

- O juiz manterá confidencialidade de todas as informações colhidas em processos no outro estado, ou deve compartilhar, seja em prejuízo do réu ou em benefício da acusação?

Segundo esses analistas, a resolução não traz a definição minuciosa dos critérios para inscrição e para aceitação pelo estado anfitrião, forma de controle de faltas disciplinares ou se a participação repercutirá no critério de promoção e, finalmente, se esses magistrados deverão obrigatoriamente apresentar relatório, ao retornar ao estado de origem, sobre a prática exercida e dar curso na respectiva Escola da Magistratura.

A divulgação da versão da resolução prevendo que o estágio seria de quatro anos, prorrogáveis, gerou fortes críticas:

- Isso aí tá arrumadinho… só falta ter a foto 3x4 dos filhotes e apadrinhados que serão beneficiados.

- Prazo de quatro anos, prorrogável por mais quatro? Dá tempo de fazer duas graduações ou um mestrado + doutorado.

- O juiz estagiário terá todas as promoções normais na origem, o que reforça a ideia de que um filhotinho passará no concurso e jamais irá para sua comarca longe, passando oito anos estagiando em alguma capital. Passados oito anos, certamente ele já terá sido removido da origem ou promovido... Ou seja, nunca se afastou do papai.

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