Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus feminicídio

Procuradora defende Lei Maria da Penha para mulher transexual

Tribunal paulista entendeu que a vítima 'tem que pertencer ao gênero feminino'

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O Ministério Público Federal defende que a mulher transexual tem direito à proteção de urgência da Lei Maria da Penha. O entendimento está em parecer enviado ao Superior Tribunal de Justiça, onde o tema é discutido em recurso do Ministério Público do Estado de São Paulo contra decisão do tribunal estadual, que, por maioria, negou proteção pleiteada por mulher transexual agredida por seu pai. (*)

O TJ-SP considerou que a Lei Maria da Penha só pode ser aplicada em casos de violência doméstica ou familiar contra pessoas do sexo feminino, levando-se em conta exclusivamente o aspecto biológico.

"A decisão contrariou o artigo 5° da Lei 11.340/2006 e ofendeu os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, além da Constituição Federal, que prevê que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações", sustenta a subprocuradora-geral da República Monica Nicida Garcia, que assina a manifestação.

Mulher transexual e direito à proteção da Lei Maria da Penha
Subprocuradora-geral da República Monica Nicida Garcia, autora de parecer sobre proteção a mulher transexual. Detalhe de um dos prédios da PGR, em Brasília, com ipê roxo florido. - Antonio Augusto/Secom/MPF e YouTube/MPF

No caso da transexual agredida pelo pai, que, segundo diz, é usuário de drogas e álcool, o Ministério Público estadual havia opinado pelo deferimento parcial de medidas previstas na Lei Maria da Penha, com o afastamento do agressor do lar e a recondução da ofendida ao respectivo domicílio.

A juíza de primeiro grau indeferiu o pedido. Entendeu que a "vítima, necessariamente, tem que ser mulher, ou seja, pertencer ao gênero feminino", e que "eventual prática de violência doméstica em que a vítima seja um homem poderá ser tipificada como lesões corporais".

Para o MPF, a Lei Maria da Penha caracteriza a violência doméstica e familiar contra a mulher como qualquer ação ou omissão baseada no gênero. Defende que o transexual feminino ou a mulher transexual, independentemente de ter sido submetida a cirurgia de transgenitalização, deve estar sob a proteção da lei.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já determinou que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero.

Segundo o parecer, o tema da transexualidade foi examinado pelo Supremo no julgamento da ADI 4275/DF, ajuizada pela PGR, reconhecendo o direito dos transexuais, que assim o desejarem, à substituição de prenome e sexo no registro civil, independentemente da cirurgia de transgenitalização.

O transexual feminino ou a mulher transexual, independentemente de ter sido submetida a cirurgia de transgenitalização, deve estar sob a proteção da Lei Maria da Penha, se a ação ou omissão decorre dessa condição.

O MPF também argumenta no parecer que, se a Lei Maria da Penha tem o objetivo de corrigir distorções históricas, culturais e sociais que vitimizam a mulher por conta do gênero, mais ainda se justifica a aplicação da norma para a proteção da mulher trans, porque as transexuais encontram-se em situação de dupla vulnerabilidade.

As violações de direitos humanos decorrentes de orientação sexual ou identidade de gênero são com frequência agravadas por outras formas de violência, ódio, discriminação e exclusão.

"Quando em perspectiva o grupo minoritário de transexuais, e dentro dele, as transexuais femininas, a realidade de violência de gênero e discriminação no Brasil é estampada no desonroso primeiro lugar que o país ocupa no assassinato de transexuais, em todo o mundo desde o ano de 2008."

O MPF cita dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) e do Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE). No Brasil, em 2020, ocorreram pelo menos 175 assassinatos de pessoas trans, sendo todas travestis e mulheres transexuais. Esse montante corresponde ao assassinato de uma pessoa trans a cada 48 horas.

"Os números alarmantes não deixam dúvidas de que a violência de gênero surge como um dos principais fatores no assassinato, tentativas de homicídio e violação de direitos humanos de pessoas trans no país. A proteção à mulher transexual é uma demanda do nosso tempo. Tempo em que se reconhece, com algum atraso histórico, a identidade de gênero como direito fundamental, como manifestação livre e irrestrita da personalidade humana, e em relação ao qual o Estado Democrático de Direito está obrigado a viabilizar seu exercício pleno", conclui Monica Nicida Garcia.

(*) RECURSO ESPECIAL n° 1977124/SP (2021/0391811-0)- Relator: ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (SEXTA TURMA)

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