Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus

STF pode invalidar o perdão de Bolsonaro ao deputado Silveira?

Presidente agiu para atingir fins não públicos, afirma advogado

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Sob o título "A graça de Bolsonaro ao deputado é incontrolável? O STF pode desconstituí-lo?", o artigo a seguir é de autoria do advogado Mauro Viveiros (*)

1. Introdução

Após o impacto da notícia do perdão concedido pelo Presidente Bolsonaro ao Deputado Silveira, condenado pelo STF à pena de oito anos e nove meses de reclusão em regime inicial fechado, pelos crimes previstos no artigo 359 L e no art. 344 do Código Penal, a atenção se volta agora para a resposta que a Suprema Corte dará às ações propostas por partidos políticos que visam a invalidação do ato (ADPFs 964, 965, 966 e 967, Rel. Min. Rosa Weber).

Advogado questiona perdão concedido por Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira
Presidente Jair Bolsonaro e deputado Daniel Silveira em ato de apoio ao deputado federal - Cristiano Mariz/Agência O Globo

Juristas ilustres têm controvertido quanto a admissibilidade de controle da decisão pelo STF sob ângulos distintos e respeitáveis. Procura-se nesse ensaio esboçar uma análise constitucional a partir da natureza, finalidade do instituto e das justificativas apresentadas, para uma aproximação.

A graça (dom ou favor que se faz sem merecimento particular, concessão gratuita), indulto (perdão) ou comutação (diminuição ou substituição) de penas impostas a condenados pela Justiça, é concebida como um atributo da soberania, ato de clemência ou indulgência do chefe de Governo ou do Estado. Vinculado a concepções absolutistas – um resíduo de regime de unidade de poder – sua presença em ordenamentos jurídicos democráticos parece ser um trunfo dos governantes, que mantêm em suas mãos um mecanismo de solução ad hoc de problemas não apropriados ao método estritamente jurídico.

Supõe-se, em teoria, que o Chefe do Governo, por se achar em posição estratégica no plano político, é quem deve dispor desse poder excepcional de intervir na atividade do Poder Judiciário, restringindo, modificando ou afastando a pena imposta.

No direito comparado se conhecem indutos coletivos e individuais; o indulto comum e o condicionado, o direito de graça dirigido aos privados de liberdade com grave excesso de prazo durante a instrução criminal, a comutação em virtude da qual a pena é reduzida ou substituída, e a graça fundada em razões humanitárias (v.g. Estados Unidos -artigo II da CF; Alemanha artigo 60, 2, 3 da LF; França artigo 17 da CR; Itália -artigos 79 e 97; Espanha -artigo 62, I; Portugal -artigo 134 f); Argentina -artigo 99, 5); Colômbia- artigo 150, 17); Peru -artigo 118, 21- etc.).

Por se tratar de instituto que tende a infringir o postulado da igualdade de todos perante a lei e a outros valores do Estado de Direito, alguns países o tem reduzido à sua dimensão individual cercando-o de restrições (v.g. França e Espanha), o que não tem impedido abusos políticos. Os Estados Unidos da América, entre outros, têm exemplos recentes de favorecimentos a amigos, parentes, financiadores e correligionários de governantes, muitas vezes concedidos às vésperas do presidente deixar o cargo (v.g. Clinton e Tramp).

2. O decreto é passível de controle jurisdicional?

A possibilidade de controle jurisdicional do ato varia em cada ordenamento segundo os níveis de sua regulação no direito positivo. Em alguns países o indulto/graça são previstos na Constituição, noutros são regulados em lei ordinária e submetidos a procedimentos e formalidades específicos, cujos efeitos podem incidir sobre as penas, extinguindo a punibilidade, ou sobre o direito de ação penal, extinguindo o próprio direito de punir do Estado.

A Constituição brasileira prevê o indulto e comutação de pena no art. 84, XII, vedando a graça apenas para os crimes referidos no art. 5º, XLIII, CF, sem outros requisitos ou condicionamentos, a revelar que o constituinte seguiu a tradição de confiar na prudência, sensibilidade, senso de oportunidade, justiça e responsabilidade políticas do máximo mandatário do país.

Portanto, seguindo-se os critérios histórico e literal, a mais simples forma de interpretação, não caberia ao STF exercer controle sobre o decreto presidencial. O Tribunal haveria de se curvar ao ato do presidente, limitando-se a decidir unicamente sobre os seus efeitos. Mas em direito constitucional nada é tão simples assim.

A ausência de requisitos específicos para a decisão não significa que o ato seja absolutamente imune ao controle jurisdicional. Assim como ocorre com os direitos fundamentais – que não são absolutos – as competências também encontram limites explícitos e implícitos no sistema normativo constitucional. O exercício do poder político, tanto quanto os direitos e as competências - que possuem um núcleo essencial impassível de restrição - é vinculado à unidade da Constituição e à ordem de valores que ela protege.

Matérias de competência exclusivas do Presidente da República genuinamente políticas são dotadas de alto grau de liberdade, outras, situando-se entre atos políticos e de administração possuem algum grau de regulação normativa admitindo controle jurisdicional maior; todas, porém, submetem-se ao pressuposto mínimo da interdição à arbitrariedade.

O controle material do ato jurídico pressupõe a motivação. Tratando-se de ato político essa exigência é matizada, porém não excluída, pois, ainda quando seja discricionária, a decisão deve contar com motivação suficiente, embora não precise ser inatacável.

De maneira geral, as justificativas de qualquer ato governamental estarão fundadas nos valores Justiça, Equidade ou Interesse público e, ainda que não explicitada na decisão, a sua motivação sempre pode ser rastreada a partir das finalidades a que o instituto é preordenado à luz das razões invocadas. O intérprete parte dos princípios gerais que informam as decisões político-governamentais e averigua, no plano concreto, as premissas e os resultados que a decisão produz na realidade.

Nessa operação não se examinam os elementos internos inerentes à conveniência ou oportunidade da decisão de adotar ou não o ato. Trata-se de aferir legitimamente a regularidade do ato discricionário quanto às suas causas, motivos e finalidade, consoante a firme jurisprudência do STF (v.g. RE 505439 AgR, DJ 29.08.2008).

O STF tem admitido a possibilidade de controle de legalidade e de constitucionalidade do indulto, não quanto ao mérito do ato, entendido como juízo de conveniência e oportunidade do Presidente da República, como se lê do excerto do acórdão proferido na ADI 5874, Red. Alexandre de Moraes, Pleno, DJ 05.11.2020:

Possibilidade de o Poder Judiciário analisar somente a constitucionalidade da concessão da clementia principis, e não o mérito, que deve ser entendido como juízo de conveniência e oportunidade do Presidente da República, que poderá, entre as hipóteses legais e moralmente admissíveis, escolher aquela que entender como a melhor para o interesse público no âmbito da Justiça Criminal.

3. O Presidente pode decidir sem provocação?

O Presidente invocou, no decreto, o art. 734 do CPP, que dispõe: a graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da República, a faculdade de concedê-la espontaneamente.

Ocorre que a Lei de Execução Penal, no seu art. 188, estabelece que o indulto individual poderá ser provocado por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário, ou da autoridade administrativa; o dispositivo não prevê a iniciativa do Presidente da República, que deve decidir após o parecer do Conselho Penitenciário (art. 191). Surge, então, a questão sobre a aplicabilidade do aludido art. 734 do Código de Processo Penal que, sendo anterior à Lei de Execução Penal - Lei 7.210/84 - teria sido, em princípio, derrogado por esta.

De acordo com o art. 2º da LINDB, Art. 2º (...) § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

E como a lei posterior (a LEP) não revogou expressamente o art. 734 do CPP, nem regulou inteiramente a matéria (o art. 188 omitiu o presidente e o cidadão), deve-se examinar se há compatibilidade entre ambas. Em primeiro plano deve-se observar que o art. 734 do CPP refere-se à graça, enquanto o art. 188 da LEP cuida do indulto individual, o que afastaria a ideia de que ambos disciplinam o mesmo objeto. No entanto, o STF firmou o entendimento de que a graça é gênero da comutação de pena e do indulto individual. Leia-se o precedente:

O Plenário do STF, ao declarar a constitucionalidade do inciso I do art. 2.º da Lei nº 8.072/90, assentou que o termo "graça" previsto no art. 5.º, XLIII, da CF engloba o "indulto" e a "comutação da pena", estando a competência privativa do Presidente da República para a concessão desses benefícios limitada pela vedação estabelecida no referido dispositivo constitucional. (HC 81567/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 05.04.2002).

Assim, se a graça é o gênero, de que o indulto previsto no art. 84, XII é espécie – embora, ao que parece, a doutrina entenda o contrário- e este dispositivo da Constituição estabelece que o Presidente da República poderá ouvir os órgãos instituídos em lei, se necessário, não o obrigando a tanto, contrario sensu o autoriza a conceder indulto e comutar penas por iniciativa própria.

A compatibilização entre o art. 734 do CPP e o art. 188 da LEP pode ser alcançada quando se tem em conta que este último dispositivo se aplica especificamente ao indulto individual no processo de execução da pena, limitando a iniciativa ao condenado, ao Ministério Público, ao Conselho Penitenciário ou à autoridade administrativa, enquanto aquele, por dispor sobre o gênero graça, que envolve o indulto individual e a comutação da pena, segundo a leitura do STF, contemplou um rol mais generoso de legitimados, incluindo, além da iniciativa popular, o Presidente da República, como é da tradição histórica.

Portanto, parece-me que a matéria objeto do art. 734 do CPP não foi regulada inteiramente pela lei posterior, como se anotou, e recebeu novo influxo e densidade normativa com os artigos 5º, XLIII e 84, XII da Carta Política promulgada em 1988, não havendo incompatibilidade com o art. 188 da LEP. De modo que, ao que parece, a iniciativa do Presidente da República para o indulto individual é conforme a Constituição Federal.

Quanto à questão especifica da concessão do indulto antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, deve-se registrar que o STF admite essa possibilidade, com a ressalva de que já não caibam recursos por parte da acusação (v.g. HC 68.096, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 14.9.1990; HC 71.691-1/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 9.08.94).

4. O STF pode invalidar a decisão do Presidente?

No Estado de Direito o interesse público preside todo ato do poder público. E como ensina a doutrina, ocorre desvio de finalidade ou de poder quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público (Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 14. ed. São Paulo: RT, 1989, p. 92)

Poder discricionário e poder arbitrário são conceitos antitéticos, consistindo o primeiro no criterioso exercício de uma faculdade legal e o segundo em ato de puro arbítrio ou mero capricho. A revogada lei de abuso de autoridade previa no seu art. 2º, Par. Único, letra e o conceito de desvio de finalidade como aquele em que o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.

O arbitrário na decisão discricionária surge não apenas quando falte motivação, mas também quando as razões invocadas se divorciam da realidade dos fatos ou contrariam os princípios gerais de direito que informam a ordem jurídica.

A decisão do caso concreto exige indagar, assim, sobre o fim visado com o ato, impondo-se focalizar as circunstâncias e o contexto da decisão de modo a saber se, a despeito da conformidade do decreto com a regra de competência, o ato conduz a resultado conforme, ou não, o escopo constitucional.

De início, deve-se acentuar que a singularidade consubstancial à natureza da graça, aliada ao risco potencial de violação de valores constitucionais, como os da igualdade de todos perante a lei, da legalidade, probidade e moralidade (art. 37, CF), obrigam a um reforço nas justificativas da decisão. E na análise da legitimidade desse tipo de decisão, o momento e o contexto sócio-político influem com intensidade particular.

A benesse será percebida de maneira diversa caso adotada em situação de crise ou em ambiente de normalidade institucional ou ainda caso tenham sido violados direitos constitucionais do condenado. No caso não há indicação de que os direitos constitucionais de defesa do condenado tenham sido violados pela Corte Suprema; a tese de que os atos praticados estariam cobertos pela imunidade material do parlamentar de expressar sua opinião crítica, dadas as características e gravidade dos fatos, não encontra abrigo na jurisprudência de nenhum tribunal constitucional.

E, com efeito, deve-se convir que o atual ambiente institucional não é de normalidade. De um lado são públicos os frequentes ataques do Presidente da República ao STF e a seus ministros, sugerindo que as próximas eleições poderão ser fraudadas com as urnas eletrônicas; de outro lado, não se pode olvidar que certas decisões da Suprema Corte têm causado perplexidade, em especial as que anularam os processos criminais do ex-presidente Lula e restituiu seus direitos políticos, permitindo-lhe disputar a eleição presidencial deste ano. E isso mesmo depois que sua condenação foi confirmada em três instâncias jurisdicionais!

A comunidade jurídica viu com espanto, particularmente, a instauração em 2019 do inquérito policial nº 4781, de oficio, por portaria do presidente Dias Tofolli que designou o ministro Alexandre de Moraes como relator, para apurar notícias falsas e ameaças a Ministros e seus familiares, inquérito chamado pelo ministro Marco Aurélio "inquérito do fim do mundo, sem limites", por violar o princípio acusatório, entre outras ilegalidades.

Essa investigação, não se deve esquecer, foi uma reação do STF a ataques de assessores diretos do Presidente Bolsonaro, entre eles o ministro da Educação Weintraub que, em reunião oficial de 22.04.2020, sugeriu que se prendessem os ministros da Suprema Corte.

O Deputado agraciado também figura como investigado nesse inquérito, tendo sido preso em flagrante em fevereiro de 2021, ao publicar vídeo com ameaça a ministros daquela Corte; e o próprio presidente foi incluído pelo Min. relator sob a "imputação" de ter cometido, em tese, onze crimes, em razão de manifestação feita em live do dia 29.07.2021.

É nesse contexto conturbado, de movimentos que atentam contra as Instituições, a Democracia e o Estado de Direito e ferrenhas campanhas ofensivas a honra de alguns ministros do STF pelas redes sociais que tiveram lugar a condenação do Deputado e, no dia seguinte ao julgamento, a concessão da graça pelo Presidente da República.

Nesse cenário litigioso só ingênuos acreditariam nas razões do Decreto. Tratou-se de clara ação revanchista, típico ato de império para consumo de apoiadores do Presidente da República, críticos do Supremo Tribunal. É dizer, o móvel do ato foi o desejo do Presidente de retaliar, "revogar" a decisão do tribunal e mais uma vez demonstrar, conforme costuma dizer, que "joga dentro das quatro linhas da Constituição" e nesse terreno "é ele quem manda" (sic).

A demonstração de força está explícita no ato, cujo principal argumento é o de que o agraciado não cometeu os crimes por ter atuado ao abrigo da liberdade de expressão. É dizer, o Presidente incidiu precisamente sobre a valoração dos fatos e do direito, substituindo os fundamentos jurídico-constitucionais da condenação pelo seu conceito pessoal de liberdade de expressão e imunidade material, atuando como instância revisora da interpretação constitucional feita pelo Supremo Tribunal Federal.

A justificativa, portanto, não é fundada em motivos externos à condenação. Não há referência a motivos de caráter humanitário – o deputado está solto e parece gozar da saúde de um halterofilista - nem a outras razões de equidade, de justiça ou de interesse geral.

O Decreto agrega, no último de seus considerandos, que a sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão (sic).

A comoção social pode, certamente, caracterizar interesse público para a concessão do indulto individual quando o condenado, por sua personalidade, história pessoal e outras características, goze de reconhecimento social capaz de atrair a solidariedade/comiseração de um contingente de pessoas da comunidade; de modo que um homem médio, tendo em conta especialmente a natureza do crime, as circunstâncias, a gravidade dos fatos e a culpabilidade do agente, poderia concluir com razoabilidade que a condenação representasse grave injustiça.

A história recente dos povos mostra que a pacificação social somente é possível após a concessão de indultos, de que são exemplos o caso das FARCs na Colômbia, IRA na Irlanda do Norte, ETA na Espanha e APARTHEID na África do Sul, o dos Comandantes Militares Videla, Massera e Firmenich na Argentina.

Mas, além de tais fenômenos não terem qualquer semelhança com o que aqui se examina, não se tem notícias de que fora dos grupos de redes sociais ou do círculo de apoiadores do beneficiado haja "comoção social". Ao contrário, é bem provável que a grande maioria da população brasileira sequer conhecesse o deputado antes da polêmica e considere que o perdão é um privilégio odioso.

Uma observação final se impõe. Nas democracias a jurisdição constitucional é um poder contra-majoritário: cumpre-lhe impor à maioria política circunstancial a obediência às regras constitucionais do jogo político e as limitações substanciais da Constituição.

A reação, por parte do legislativo ou do executivo, a uma decisão constitucional do tribunal configurará tentativa de inverter a leitura da Constituição feita pelo seu intérprete final, obrigando-o a rechaçar a usurpação, no uso legítimo de defesa de sua competência, que a Carta Política lhe outorga no instante em que lhe confere a defesa de sua supremacia.

Reagirá com o rigor constitucional que a ordem constitucional manda? Não se sabe. De todo modo, o tribunal não deve decidir com alegria. A atmosfera política presente e a crise de confiança no Sistema de Justiça oferecem oportunidade talvez única ao STF para refletir sobre sua política interna e a postura adotada por alguns de seus ministros.

A Suprema Corte, já se disse, é um poder desarmado, cuja fortaleza repousa apenas na racionalidade de suas decisões; e na própria força de seus poderes está latente o risco de sua debilidade, metáforas que alertam para a necessidade de autocontenção e o dever de reconhecer que a inovação do ordenamento jurídico e a direção política do Estado competem precipuamente ao legislador e ao executivo, respectivamente.

Um Tribunal que decide com eficácia erga omnes e efeito vinculante, dispondo do formidável poder de solucionar conflitos e invalidar o produto da atividade dos outros poderes e corrigir os tribunais inferiores, há de ter presentes as consequências político-sociais em qualquer decisão; e deve aceitar que, embora seja o intérprete final da Constituição, não é seu único guardião. Fora do quadrilátero do STF há oxigênio constitucional!

Tanto quanto juízes subservientes ao poder político, juízes midiáticos, que descem do alto de seu estrado para a arena política e se envolvem em pelejas e discussões, às vezes assumindo papel de policial ou promotor de justiça, desacreditam a isenção e minam a autoridade do Tribunal. Ao emitirem juízos sobre questões que vão julgar, subvertem a lógica do método jurídico-processual de responder-se a provocação dos legitimados e formar-se convicção a partir dos fundamentos de fato e de direito que lhe sejam apresentados, em regular contraditório.

Se não são desejáveis recorte de poderes do mais alto tribunal ou impeachment de algum membro, cumpre mudar métodos e atitudes que em nada diferencia ministros de políticos, a começar por restringir ao máximo decisões monocráticas e tornar vigentes os institutos da suspeição e impedimento, levando muito a sério os princípios da divisão de poderes, da moralidade administrativa e o da igualdade de todos perante a lei.

5. Conclusões

A vista dessas considerações, conclui-se que:

1) A iniciativa do Presidente da República de conceder a graça ao Deputado Silveira é válida do ponto de vista constitucional;

2) O decreto presidencial é passível de controle jurisdicional sob o ângulo da de legitimidade constitucional;

3) O desvio de poder/finalidade está caracterizado no caso, posto que indisfarçável o divórcio entre o que se alega no decreto presidencial e a causa e os motivos reais da decisão, porque, embora o Presidente tenha atuado segundo a regra de competência prevista no art. 84, II da CF, agiu para atingir fins não públicos, de natureza político-pessoal, violando os princípios da divisão de poderes, impessoalidade e moralidade administrativa previstos nos artigos 2º e 37 da Carta Magna

(*) O autor é advogado, professor, Mestre em Direito pela UNESP e Doutor pela Universidad Complutense de Madrid.

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